segunda-feira, 7 de agosto de 2017

Acertar o passo

Passaram na praia, com passo acertado, seis pernas em cadência regular e certa. De um lado, a mãe, do outro, o pai, e no meio, o filho, a abraçar os dois. Reparei na cadência, na energia e na regularidade, apesar da diferença de tamanhos. E sorri, admirada por tanto acerto, com alegria, conversa(s) e afeto. Via-se a olho nu.
Dei por mim a discorrer sobre o assunto, porque passadas certas são aquilo que mais desejamos, quer tomemos a dianteira, quer sejam outros a tomá-la.

Pensei como é difícil imprimir uma cadência regular, em caminhos pouco firmes, pelos buracos, troncos velhos de árvores, bichos pequenos, mas inquietos, raízes, pedras e pântanos. Coisas pelas quais estamos de sobreaviso, mas nem por isso mais capazes, porque nos embrenhamos no percurso, distraídos e incautos. Encostamo-nos ao saber acumulado e descuidamos os obstáculos mais pequenos, que às vezes viram ondas gigantes, impedindo o acertar dos passos.

http://i01.i.aliimg.com/wsphoto/v0/1736963909/Akkadian-hildebrand-kaka-font-b-naive-b-font-font-b-art-b-font-handmade-color-block.jpgCoisas que desconhecemos e que irrompem, imprudentes, no caminho. Aquelas que nem nos medos mais secretos atrevemos a agendar na possibilidade dos dias. Coisas repentinas, inimagináveis, tiram o chão e o céu, abafam o futuro, cobrem-no de nevoeiro e curto prazo. Gelados e confusos, petrificamos de susto, deslaçamo-nos, sem conseguir amparar quem caminha ao nosso lado. Atordoados, não impedimos a queda no precipício ou a partida para a Antártida, terra que nunca imaginámos vir a desacertar os passos. 

Coisas que alimentamos e vigiamos como relíquias. Ideias, conceções, teses. As que comandam os nossos dias e irrompem imprudentes na relação com os outros, levantando muros e prisões abertas, que desacertam os passos e o amor. Convictos do que somos e pensamos, não abrandamos a força das diferenças, agitando a bandeira do que sentimos como a única possível a ser usada. Centrados nas razões que nos assistem, desvalorizamos as dos outros, aniquilando outras ideias e sonhos. Os passos em roda, sem pontos de intercessão, sem ritmo comum.

Foi isto que pensei esta manha, a propósito do acerto e desacerto de nós, com os outros. Pais, filhos, companheiros, amigos, família. Todos os que amamos e nos amam e com os quais necessitamos acertar o passo, tal como aqueles pais e filho que hoje andavam, com cadência bonita e acertada, à beira-mar. 

Sem comentários:

Enviar um comentário