Mãe
Acordei com o coração triste, um pouco apertado, a lembrar-me de ti e deste dia em que farias anos, caso cá estivesses. Meti-me no carro para a escola, conduzi devagar a olhar as nuvens escuras e a pensar que esta primavera, assim, sem sol e flores viçosas, não ajuda a temperar o frio que às vezes nos invade a pele. Nem as saudades, que como diz o poeta, são fé perdida. E são.
Sei que não voltas, nem é isso que importa, já estou grande e sei tomar conta de mim. Já falo como tu, a acreditar no que dizem os teus netos, quando por acaso vou buscar expressões que também usavas. Utilizo-as sem dar conta, mas sabem-me bem, instalo-me nelas e sinto-me filha de alguém. E é isso que de manha pensava enquanto ia para a escola, que me faz falta ser filha, porque me sinto meia desamparada e só tenho gente à minha frente. Ninguém atrás, para aconchegar o frio das costas ou como fazias quando era menina, que ias atacar-me a roupa na cama. Dizíamos assim, eu e o meu irmão e ficávamos deitados à espera das tuas mãos a prender a roupa contra o nosso corpo, para que não tivessemos frio de noite. Atacar, era encostar bem, prender, aconchegar. E era doce. Atacar não era coisa de guerra, era coisa de amor. Ritual diário e nunca esquecido.
Nunca foste mulher de dizer o amor em voz alta. O teu amor circulava nos cuidados que davas e na forma como me penteavas o cabelo e passavas os meus vestidos, fazias a comida e rias, quando um dia eu e o meu irmão decidimos mudar-te o rosto um pouco fechado, subindo para um banco da cozinha para te darmos um abraço. Fazias o almoço e os teus olhos ficaram muito bonitos, ainda que dissesses então, o que estão a fazer? Lembro-me muito bem.
Eras assim, sem dar golardão ou confiança em demasia, mas estavas sempre onde era suposto estares, a lutar por nós.
E nós éramos filhos e isso nos aquietava e protegia. Ter perdido essa condição, aproxima-nos mais do fim da ternura e do quente da roupa da cama.
E nós éramos filhos e isso nos aquietava e protegia. Ter perdido essa condição, aproxima-nos mais do fim da ternura e do quente da roupa da cama.
Quem nos ataca, agora, nestes dias em que o sol não nos aquece e tu já não estás cá?
Hoje queria ser filha e dar-te um beijo de parabéns, mãe.
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