terça-feira, 4 de março de 2014

Ontem como hoje, o amor

Ignoro a necessidade de arrumar o meu sótão, já iniciei a tarefa, mas por agora vou-lhe dar tréguas, continuo logo mais tarde, por certo os livros e demais objetos fora do lugar não se se importam. A minha mãe utilizava muito esta expressão, quando lhe perguntávamos se gostava de alguma coisa, nomeadamente comida. Mãe gosta de arroz? e ela não me importo. Toda a gente se ria com a expressão, no inicio os rapazes tentaram perceber o que significava e depois de compreender, começámos a utilizá-la em jeito de brincadeira e ternura. Era uma maneira gentil de dizer que não gostava, ou que gostava pouco, mas que comia. Conformava-se, digamos assim.  

A minha mãe...hoje lembrei-me dela no meio das minhas arrumações e das conversas silenciosas com os meus botões. Da sua presença e da sua relação com o amor, entre um homem e uma mulher, uma coisa que em meninos e na minha idade, falávamos pouco em família. Vivíamos (ou não) o amor, percepcionávamos (ou não) a sua presença, mas não se teciam considerações em seu redor. Não era coisa para se tecer ideias ou sentimentos, era coisa presente, ausente ou escondida. Ou ainda tacitamente ignorada.
Mas creio que nessa altura, como agora, as mulheres, ainda que secretamente, sobre ele e a propósito dele, experimentavam desejos, angustias, saudades, penas e mistérios. E paixão. No seu coração e sem dizer a ninguém. Hoje podemos com mais facilidade, sentarmos-nos à mesa, com um bom copo de vinho ou um café quente e sobre o amor, compor ideias, partilhar emoções, questionar verdades, vislumbrar destinos, acertar agulhas. Rir ou chorar. Em modo feminino. 

Foi isto que aconteceu com uma amiga do peito. Daquelas que já dissemos tudo, sem medo, porque a censura não existe e a partilha dos caminhos é benéfica e faz bem. E porque nos entendemos na sensibilidade com que olhamos a vida e as relações amorosas.
Falar em voz alta é uma forma de (re)pensar a vida e (re)pensarmos-nos. Em companhia. Não como exercício intelectual ou filosófico, mas como pessoas procurantes de um presente e auditores atentos de futuros. Os nossos. Estar em companhia é vencer o medo, contornar as duvidas, desafiar a juventude, manter o sonho. Resistir à conformidade. 

Eu e a minha amiga, falámos de liberdade, de paixão, hábito(s), autonomia, amores maiores, saudades e compromisso, famílias e filhos, desejo, sonhos e príncipes encantados. E destinos.
E não, não somos adolescentes, somos mulheres já muito maduras, que ainda se espantam com a vida e o amor e que não querem perder o direito ao sonho e à liberdade. E resistir a poder dizer, distraídas ou conformadas, ah, eu não me importo, que sendo uma forma de dizer não gosto, não é suficientemente clara e inequívoca. 

Foi isto que pensei enquanto iniciava o arrumar do sótão e convoquei a minha mãe até junto de mim. Gostava de ter tido oportunidade de, sobre este assunto, conversar um pouco mais com ela.
Por certo, agora, seria bem mais fácil que em adolescente, ainda que não tão livre e escancarado como o que falei com a minha amiga. 
Mas isso percebe-se.  

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