sábado, 22 de fevereiro de 2014

(Re)começo

Fui lá casa e deliciei-me. O quarto já preparado, cores suaves e vivas, bonecos, riscas e flores, numa conjugação esteticamente bonita para os olhos e a emoção, porque é disto que se trata. As minhas amigas, avó e futura mãe, alindaram aquele espaço e dele fizeram um aconchego e um castelo, digno de um pequeno príncipe. É isso que o Tomás vai ser, quando nascer, um príncipe na vida da sua família. 

Encantada, mexi em tudo, nas roupas que o esperam, arrumadas e a cheirar bem, nos brinquedos e livros que as mãos irão tocar, na mala já pronta para o dia da sua chegada. Depois sentámos-nos a ver o livro da sua história, que a mãe tem composto ao longo dos meses, com mil cuidados, as fotografias da pintura da barriga, uma bola de futebol, uma paisagem em tons de azul, com flores, o molde da barriga de gesso. Ali ficámos, no sofá, com o Tomás por perto, a dar uns quantos pontapés, para dizer que está feliz. Vim para casa com o coração contente, quase tão ansiosa como quem o tem na barriga e o meu filho mais novo a dizer-me "Também vais ser avó!" E vou, um neto do coração e da amizade.  

E voltei a pensar na vida e na sorte de quem nasce, acolhido em berços de renda ou estábulos de palha. Da possibilidade de ser cuidado ainda antes de nascer, do afeto sentido na barriga pela imensa paixão de uma mãe, das redes de amizade a proteger do frio e da aridez da solidão. Voltei a pensar em outras mães, anónimas e conhecidas, cujo amor se enrola em memórias tristes de infância e cuja condição não permite ir arquitetando um espaço, físico e mental, amoroso, para os seus meninos. Não se pode inventar aquilo que não foi vivido.   
   
Voltei a pensar na sorte. Na condição de partida, no património e herança que é dada à nascença a cada menino e menina que se torna pessoa. E de como esse legado é companhia para toda a vida. E de como isso pode entristecer os olhos e o coração dos meninos e meninas quando se tornam adultos. E de como isso deveria ser um principio para não se negar a hipótese de se voltar a nascer numa família adotiva. Qualquer que seja a sua natureza e constituição. Apenas com uma premissa, a sua capacidade para acolher, decorar quartos com amor, saber abraçar e proteger, saber educar e querer fazê-lo como projeto de vida. Apenas a sua paixão para ter um filho de coração. Para contrariar a má sorte do destino e oferecer uma segunda oportunidade. De direito ao amor e a um bom começo. Com calor e quente.
Para poder esbater e dar a volta ao frio de ter nascido sem roupa e sem sonho. 

Quem teve frio na infância, terá frio para  o resto da vida, porque o frio da infância nunca desaparece - Juan José Millás


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