sábado, 8 de fevereiro de 2014

Palavras à chuva

Reparei nos olhos castanhos, profundos e doces, a olhar de frente, francos, mas suaves, quase tímidos. A cor da pele, morena, macia, bonita. Reparei no cabelo, no casaco castanho, nas calças de ganga. Reparei no porte, digno, ainda que levemente curvado, em jeito de acolhimento e demanda. Reparei nas palavras e ouvi-as, em tom de surdina mas transparentes, a contar enredos, acompanhadas de movimentos de mãos e cabeça, a indicar os caminhos e um pouco da geografia das suas viagens. 

Chovia e as gotas caiam no chão e em nós, não tínhamos teto e ali estávamos, eu à espera de um aceno de despedida ou um intervalo de silêncio. Quando o senti, disse

- Melhor sorte para si...

Fixou-me, com olhos de espantar impossíveis e disse sem pestanejar

- Isso é o que todos me dizem! 
E levou as mãos aos olhos a limpar as lágrimas que caíram, rápidas, a misturar-se com a chuva, na noite que se aproximava. 

Estremeci e não arredei pé, mas não sei o que disse a seguir. Por certo coisas sem sentido, face ao sentido dos olhos castanhos que me olhavam e se diziam, em tom de segredo e divagação. Também de partilha, acho.

Têm andado comigo, desde que me levantei. Não sei se é uma boa maneira de começar o dia, mas quero acreditar que sim, para me lembrar sempre que for necessário, que tenho uma sorte danada em ter amigos e casa e pão e família. E trabalho. 

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