Terminou mais uma semana. Difícil. Sinto-me cansada. Procuro espaços e situações que me devolvam uma luz suave de primavera e o cair de tardes maduras, com o céu laranja a anunciar tempo quente no dia seguinte. Faz-me falta mudar de registo da cor cinzenta e dos dias carregados de chuva, mas sei que não é do inverno que estou cansada. Eu até gosto da água a correr nos telhados e de uma manta de lã no sofá, para aquecer as noites frias de janeiro.
Mas estou cansada, com as reservas quase no fim, a sentir-me finita, sem alma. Sim eu sei, esta é a vida, a real, existe, cerca-me por todos os lados e impõe-se. Não há como recusá-la em cada manhã, está ali, flutua e expressa-se nos movimentos imbricados de pais e filhos e tios e irmãos, apronta-se afiada nas ações das crianças que irrompem pela sala e desfiam alguns rosários, apesar de um corpo pequeno, que treme com frio e fome. De pão e de beijos. O leite e a bolacha parecem sossegar alguma inquietação, mas as contas dos rosários são longas e persistem noutras formas. Birras grandes, voltaram em força, querem colos e mimos. Muitos. E é difícil dosear, o que sabemos nós das dores de quem é pequeno e quer respostas para as perguntas que espreitam no coração e se transformam em livros no chão, brigas recorrentes com os amigos, amuos prolongados, manipulações certeiras aos nossos afetos?
Estou cansada de tanto me chamarem. Os meninos, claro. Gastam-me o nome e a energia. E estou cansada de tanto me esquecerem. Os grandes, claro. Gastam-me o entusiasmo. E estou cansada de um discurso sobre dificuldades. Sempre as dificuldades, nunca os sucessos. De tanto se dizer, assim se fica. Está escrito e nós sabemos. Por saber, não podemos ignorar. Não ignoramos e cansamos-nos.
Eu sei, é fim de semana, tenho o peso dos dias dentro de mim. E o sentimento de "paragem", como se a viagem iniciada há meses conhecesse agora um apeadeiro, a forçar uma saída e um tempo de espera. E nós com pressa de seguir em frente, encontrar de novo o caminho, sentarmos-nos confortáveis e com espaço para todos, integrando os que menos facilidade têm em se acomodar sem protestos e rebeldia brusca de procura do seu poiso. E há poisos que teimam em tardar. E eu finita.
Por isso, nesta sexta-feira, procuro outras coisas que me digam que a vida também existe para além deste meu cansaço. Que dêem paz e sossego ao meu coração cheio de vozes e ecos e indiferença e penas. Procuro luz, cores e matizes, palavras e imagens, horizontes e dança. Musica e poesia. Preciso de encher o meu reportório de encantamento e a minha mochila de entusiasmo. Vou precisar disso para a próxima semana. Sem falta.
E para iniciar este fim de semana, aqui fica pela voz de Sophia de Mello Breyner
No mundo da arte há muitos saltibancos
Que vivem sem rede e jogam
A virar o mundo de pernas para o ar
Também caminham
Pé ante pé no arame
equilibrados no fio fino e leve da vara
Eles próprios são leves e finos e recaem
Aéreos sobre a terra e conhecem
As leis abstractas do equilíbrio
O jogo do que é os absorve
Porque o inventam
Sophia de Mello Breyner "à la manière"in O Búzio de Cós, 1997
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