Chove.
Cai a chuva no telhado do meu sótão e embala a tarde boa de descanso. É sábado.
As folhas molhadas das árvores que vejo pela janela parecem frescas e claras, lembra-me a humidade do musgo do presépio de natal. Sinto uma ligeira nostalgia e saudade. De ser mais nova e ter a minha mãe por perto e confirmar que a vida, em muitos dias, pode ser e é normal. Acordar e ir ao mercado, comprar legumes e peixe e fazer o almoço e rir. E sentir que outros tomam por mim as decisões necessárias. Estou cansada de comandar destinos. Tomar nas mãos o centro do meu mundo, pensá-lo com mil precauções e sentidos, escolher a paisagem certa para os eventos de ser pessoa em conjunto com outros. Cansa.
Quero apenas do sol o seu calor mais suave nestes dias do outono. Depois, quero apanhar flores secas, fazer um arranjo e colocá-lo no lugar certo da sala. Comer castanhas cozinhas com erva doce e dormir no sofá, com o gato por perto. Apaziguar esta procura excessiva de mudar o que penso não estar certo, tal é a convicção de que a mudança é necessária. Hoje não quero sonhar mundos onde todos tenham um lugar. Não me quero ocupar com tal missão, é difícil e penosa. Sinto-me só neste combate.
Por isso, tenho saudades da minha mãe. Das suas prioridades matinais, do tempo que queria quente ou chuvoso, da atenção para com o pequeno almoço e do seu afastar das cortinas para olhar para a rua. Dos seus pequenos gestos, das mãos morenas, do afagar da toalha de mesa e do tempo que demorava a olhar para os netos, com os seus olhos de carinho. Como a coisa mais importante. E era.
Queria-a por cá. De certeza que me iria chamar lá de baixo da cozinha e dizer quando vamos fazer o jantar? e quando eu descesse, assim cansada, ouvi-la dizer mas o que estás tu a fazer? porque trabalhas tanto?... hoje é sábado... e encolhia os ombros e ficava contente de me arrastar para ela.
Pois é mãe, hoje é sábado. E embora esteja rodeada de gente, fazes-me falta, para me chamares para outro lado, para o lado onde o corpo e a mente descansam, entre uma conversa sobre o tempo, uma chávena de chá quente e o fumegar da panela do jantar ao lume. E o jornal aberto e tu a comentares comigo as noticias frescas do dia.
Podes vir?
"Hoje não quero sonhar mundos onde todos tenham um lugar. Não me quero ocupar com tal missão, é difícil e penosa. Sinto-me só neste combate."
ResponderEliminarNão, não está só, Manuela.
Felizmente ainda somos alguns/algumas, apesar de ser, mesmo e cada vez mais, não sei se pela idade se pelas circunstâncias, cansativo e desgastante "mudar o que penso não estar certo, tal é a convicção de que a mudança é necessária."
Bem-haja.
Muito obrigada pelo seu comentário. Dá-me ânimo, porque me sinto só e parece que luto contra ventos e marés! mas talvez não, visto que outros - poucos? - sentem o mesmo que eu.
Eliminarobrigada. E já agora parabéns pela belíssima prática que tem e espreito no blog da sua sala...
Boa semana, Juca!
Eu acredito que ficamos no coração das crianças que passam nos nossos corações!
ResponderEliminarJá com os adultos...às vezes demora tempo...
O meu filho João Pedro de vez em quando lembra-me que na farmácia se compra "uns saquinhos de paciência" alguém lhe disse esta, e ele acredita até hoje! :)
Boa semana! Um grande beijinho