domingo, 23 de junho de 2013

Requiem para um amor

Naquele tempo, as estrelas brilhavam no alto das noites escuras, o vento era uma brisa suave e eles desejavam eternamente o verão e o cheiro do mar. Sentíam-se felizes, com rostos bonitos e olhos brilhantes. Serenos, apreciavam cada  gesto e reconheciam-se elegantes e afáveis, de certo modo um pouco invenciveis, porque o mundo pairava mesmo ao seu lado e eles dançavam inebriados dentro dele. Um certo sentido de controlo comandava-lhes a energia e o sonho e tudo parecia ao seu alcance. Quem os impediria de viver, jovens, sensíveis e eternos?

Naquele tempo, ela  embalava o amor em colo quente e ele experimentava o gosto de ser amado, em forma de abraços e palavras que recebia, todos os dias. Comovido, espantava-se com a sorte de a ter encontrado, tanto tempo depois de já ter nascido. Menino se sentia, então, por reaprender o nascimento de si para o mundo, ancorado num dialeto de bem querer.

Naquele tempo, partiam muitas vezes para longe e perto, um passeio à beira mar, um jantar a dois, uma exposição de pintura, um concerto, encontro com amigos, um retiro em terras do sul ou norte. Errantes se sentiam de paisagens e lugares, procurando mistérios, beleza e encanto onde fosse possível. E em quase todos os sítios por onde passaram foi possível, porque os lavavam com os seus olhos de ver e apreciar o tempo e a vida. Com amor.

E porque se julgaram eternos e invenciveis, sonharam e tiveram uma casa, amigos e família nela incluída, fizeram almoços e jantares, compuseram fotografias e aninharam-se no sofá, projetaram o futuro e  riram no presente, certos da fortaleza da sua cumplicidade e afeto. Para todo o sempre.

No tempo seguinte aquele tempo, sem se darem conta, foram inundados por duvidas e receios, sentimentos inconfessáveis de tristeza e solidão e atrapalharam-se no amor. Trémulos e aflitos, ainda esgrimiram um pouco com as armas que tinham, o quente da casa, a memória dos beijos, o pôr do sol em tardes de verão, a alegria primeira quando se conheceram. Momentos houve em que renovaram a esperança, o amor ainda a escorrer por dentro, mas não encontraram tabique para estancar a dor e conter a mágoa.

No tempo seguinte aquele tempo, partiram por caminhos separados. E assim perceberam, cada um à sua maneira, que os sonhos precisam de chão e raízes e enxadas para cultivar a terra de onde, em alguns lugares e momentos, o amor pode perdurar, desde que cultivado e protegido de algumas intempéries repentinas e devastadoras. Para sempre.

No tempo seguinte aquele tempo, eram jovens e não sabiam. Quem os impediu de viver, jovens, sensíveis e eternos?    

1 comentário:

  1. "Quem os impediu de viver, jovens, sensíveis e eternos?"
    Eu diria, eu que já muitos anos vivi e a juventude ficou lá atrás, ser uma força invisível, à qual chamaria destino, fado, sina, de todo mais forte que os humanos e que deles não se compadece.

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