Combinámos e lá fomos ver as provas de mestrado. Nós, a futura mestre, a filha, uma amiga, a mãe e muitos sacos com as obras para mostrar. Tudo embrulhado a preceito, porque as produções que se fazem com entusiasmo, talento, procura, risco, se querem cuidadas e bem acomodadas para que nada as danifique. Pelo lado de fora, bem entendido, porque do lado de dentro, como obra criada, eles perduram bem aconchegadas e seladas no coração, na memória, nas mãos, no tempo, no espaço onde tomaram forma, como expressão de vida de quem vida lhes deu. Foi isto que a Artista disse quando defendeu as suas mantas, um trabalho que denominou manta-vida, para a obtenção do grau de mestre em ilustração artística.
Quando chegámos, apressámo-nos a montar a exposição, numa azáfama um pouco nervosa, quebrada apenas pela sensibilidade e intenção da parteira das obras, que dava o mote para o lugar e a posição de cada peça, demorando-se em pequenos retoques e olhares silenciosos, doces e inquietos, enquanto balbuciava palavras e ideias e sentimentos. A sala inundou-se de cores e formas ilustradas, geometrias e colagens, bordados em papel, vitrinas, maquetas, o livro de artista, o caderno dos primeiros esboços, peças por terminar que esta artista, Sofia Afia, é uma mulher de começos em superfícies abertas, ainda que nem sempre lineares ou planas, um olhar atento enxerga montes e vales e ruas e rios, algumas tempestades, também as bonanças. Foi um pouco isto que escreveu no belíssimo texto que acompanha as ilustrações, sem nunca revelar se são as palavras que desaguam nas imagens ou se são estas que alimentam os traços, as cores, as formas com que traduz a sua manta-vida. Cheia de talento, emoção, pensamento e energia.
Depois das formalidades da apresentação da tese e da sua arguição por um professor doutor, um pouco seco e àspero na análise da obra, a artista defendeu-a, como coisa sua, amada e investida, suada e percorrida cem mil vezes pelas suas mãos e talento. Esteve guerreira, transparente, inteira e destemida. Sem rodeios nem meias palavras, falou de si, do processo criativo, da estética, do caminho encetado para chegar até ali. Utilizou palavras, ideias, lágrimas, riso e atenção. Disse que sim e que não e talvez, fazendo voos rasantes de ave liberta sobre quem é, o que foi e o que espera ainda ser.
E eu, que não a conheço há muito tempo, fiquei a olhar para a sua roupa azul, o colar de tecido vermelho, os olhos castanhos, a inteireza da sua apresentação e comovi-me. É sempre surpreendente e reconfortante encontrarmos gente com garra e talento para ilustrar a vida, as convições e o futuro. Sem medo.
Parabéns à artista e à sua obra!
Simples/ bonito
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