terça-feira, 11 de junho de 2013

O teu lugar

Este é o teu lugar.
Estão cá muitas das coisas que foram tuas e que os afetos não deixam retirar. A tua fotografia de bebé na parede, o cesto da lenha junto à lareira, a máquina da costura, com linhas, dedal e tesoura e agora um pano de linho em cima, o xaile antigo, a imagem da virgem na parede, o terço na mesinha de cabeceira, os pratos e chávenas da tua infância, as cortinas com renda nas janelas, o jardim com flores e vasos, a horta e a arrumada.

Este é o teu lugar.
Já fizemos obras e alindámos a casa, tornámo-la mais acolhedora e moderna, mas não deixámos morrer a tradição, como era da tua vontade e é da nossa. Uma cultura que fomos construindo entre nós e por isso, tudo o que colocámos de novo, te iria alegrar, porque respeita e revela os teus caminhos, a tua memória e os teus gostos. Sabemos como eras, mulher simples e exigente a querer para si, ainda que discretamente e talvez tarde de mais, tudo o que lhe era devido. E tanto que a vida te ficou a dever. Não podendo mandar na vida nem na sorte, compusemos o teu lugar, que é este, com o máximo de ti e de nós. Os teus amores. Estamos cá todos: eu e o meu irmão, os nossos companheiros de vida, o pai,os netos, os teus pais e sogros, tias e tios, outros familiares. E também algumas amigas e vizinhas.

Este é o teu lugar.
E enquanto percorro o jardim nesta manhã amena, vejo as flores que tanto gostavas, o poço e o tanque, os vasos de catos na entrada da porta da cozinha e lamento que tenhas partido tão cedo. E que não possas apreciar e usar o teu lugar, que tanto amavas e que querias ver bonito e cuidado. E lamento também o quanto tardou fazer-te esse gosto.

Este é o teu lugar.
Daqui da janela onde escrevo, vejo os braços da ria, os juncais e malmequeres amarelos e terras cultivadas com milho, ainda muito pequeno, semeado há pouco tempo. Muito certinho, em carreiros, verde, muito verde. Vai crescer num instante, ficar alto e cobrir toda a paisagem, de uma forma harmoniosa e pujante. Viva. Será verão nessa altura e eu virei ver, porque regressarei ao teu lugar. Preciso agora de o fazer regularmente, para zelar por ele, visitar as tuas memórias, aquietar-me e descansar nesta terra. Que é o teu lugar e cada vez mais, o meu e o nosso.
Sei que isso te faria feliz. Por isso, aqui estou. Na tua casa, que é o teu lugar.

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