sexta-feira, 1 de fevereiro de 2013

Contas à parte

Temos a idade que temos. O caminho que percorremos já leva muitos quilómetros de estrada, conhecemos todas as curvas e pedras dos atalhos, o cheiro fresco do rosmaninho, a claridade dos campos a céu aberto e no entanto, ainda nos surpreendemos.

Num dia qualquer em que acordamos contentes e lentos, prontos para saborear mais uma jornada, ficamos de repente atónitos, incapazes de aceitar os sinais e as palavras que nos apresentam, num discurso de justificações claras, como se de uma operação aritmética se tratasse. Dizem-nos tudo, com uma evidência desarmante e no fim, somando e subtraindo ...9 fora, nada. Nada?  Como nada, se somos feitos de mil razões, ideias, sentimentos, ambivalências, crenças, desejos? digo mil, mas poderia dizer mil milhões, tal é a diversidade e complexidade da nossa natureza de pessoas que respiram.

E falta-nos a coragem e a lucidez para dizer que para os enredos da vida, as provas dos nove não se aplicam. A utilização de regras das ciências exatas para decifrar os mistérios de sermos gente são de reduzido alcance e proveito duvidoso. Não se enquadram, não se ajustam. E no entanto, ao nosso lado,  homens e mulheres seguros e incontestados, afirmam com evidência soberana, premissas irrefutáveis então, não vês que é assim? nem há mais nada para dizer, está visto e revisto... Não têm duvidas e raramente se enganam.  Para tudo têm uma explicação. Lógica, dizem, dando a conversa por terminada. São excelentes, dizem alguns, pragmáticos e racionais, dizem outros, com cabeças arrumadas e respostas rápidas.

Pois serão. Apenas não conhecem o tremor dos lábios numa conversa a dois, as gotas de orvalho nas madrugadas frias, o cheiro do pão quente com manteiga, o embargo da voz numa despedida, a cor das amoras a salpicar as silvas...
Apenas não sabem de que cor pintar a vida nem recitar poemas de amor. Atrapalham-se. Nunca dirão, apaixonados e inquietos

"A este desespero azul
de te querer ao pé de mim
chamam os homens amor.

Mas o amor é outra raiva
de arrancar o sol da lua.
É andar com as andorinhas na algibeira
e dependurá-las na chuva..."

José Gomes Ferreira

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