sexta-feira, 1 de agosto de 2014

Ír à praia



Fui à Torreira. 
Nunca me parece que seja ir à praia, porque este mar tem outro som e outro cheiro. Forte, muito forte, o mar bate na areia e ninguém sabe o que ele diz. Era assim que cantava quando era menina, as mulheres que me acompanhavam não usavam fato de banho e nós íamos molhar os pés, o único banho então permitido. E tinham que levantar as saias, nos dias em que o mar estava zangado e furioso, mandava ondas malucas que chegavam aos joelhos e às penas. Lembro-me dos risos e das corridas para trás, para salvar o resto do corpo que não via sol, a não ser através de blusas de flores ou de riscas feitas na costureira. Nesse tempo e neste lugar não se ia ao pronto-a-vestir, sabia lá a ti Palmira e a minha tia Domingas que na cidade, em algumas lojas, se vendiam vestidos e calções e soutiens. Não, as mulheres vestiam corpetes, feitos à medida, ainda tive um em menina e moça, feito pela minha tia, que julgo nunca usei, porque nesse tempo já vivia na cidade e queria ser como todas as minhas amigas. 

papel de parede Ondas do MarFui à Torreia e molhei os pés. Não, não puxei a roupa para cima, estava de fato de banho, mas parece-me que resguardei o corpo das ondas, quero pensar que foi pela temperatura da água, as memórias não se podem prolongar tanto que atraiçoem as experiências vividas. Cresci na cidade, na margem sul do Tejo e já me banhei em tantas águas e com tantos biquínis e fatos de banho, que me parece pouco provável fugir do mar, a repetir a graça de então.

Mas não tenho a certeza. Com a idade, vamos misturando e relacionando tudo o que nos aconteceu, o que é uma forma de sabedoria, julgo, de integração da pessoa que fomos e da que hoje mora em nós. Uma espécie de composição identitária, a confirmar a nossa riqueza, diversidade e pluralidade de ser gente. Com uma história e um passado. 
É possível que esta necessidade nos afete com maior intensidade em alguns dias e que dessa forma, resguardemos o corpo do mar e fujamos às arrecuas, para proteger a roupa que não temos em nós. Apenas na memória e no álbum de fotografias a preto e branco guardado na sala.  

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