domingo, 10 de agosto de 2014

Decisão

Chegou à sala e moveu-se discreta e bela, as notas de música e a penumbra da sala deram-lhe asas de liberdade e assim o seu corpo o mostrou, suave e delicadamente. E vi-o. Olhou para ele e soube que era belo e  possivel, ainda que o sentisse cansado e distraído. Sentou-se numa mesa e esperou. Enquanto isso, relembrou o riso das madrugadas frias e a alegria dos rumores da infância, por caminhos de pó e terra batida. Não se sentiu só nem pequena, sabia o tamanho que tinha. Esperou. 

A sala albergava gente de muitas cores, roupas leves, a contrastar com os cortinados de veludo vermelho, um pouco desbotados pelo tempo, mas ainda intensos e quentes. As mesas de madeira escura, saídas de um qualquer salão real, imponentes, grandes, confortáveis. E depois o chão, encerado, gasto pelo correr de pés em muitos anos de soirés dançantes. Sala intimista e aconchegante. E esperou.

http://choisart.org/wp-content/uploads/2013/08/0271-0162_tanzsaal_in_arles.jpgEnquanto isso, ele levantou-se e olhou-a e não sorriu. Os olhos pesquisadores estenderam-se à volta da sala e condensaram a luz e a sombra, o som surdo das vozes, as notas graves do trompete. Deslocou-se, intenso e belo, encurtando com lentidão decidida o espaço até si. E sem preguntar ou dizer ao que vinha, sentou-se. E assim ficaram. E ela esperou.

Quando a mão dele pegou na sua, agradeceu o lusco fusco da sala e o creme hidratante que todas as manhãs espalhava na pele. Interrogou-se se ele faria o mesmo, pelo cheiro de amêndoas doces e o acetinado do contacto da pele. E esperou.

E ele, com voz lenta e gasta, perguntou
- Porque demoraste tanto?
E ela, conhecedora, respondeu que nunca se tinha escondido e que andara todos os dias como uma promessa, ainda que ocupada com obrigações que a vida lhe tinha dado, tormentas de tempos idos, juras de futuros certos. E assim fora de menina a mulher, sem sabor de juventude vivida. Mas não importava, o tempo certo era este, assim disse ela. E calou-se.

E ele esperou. 
E ela cansada do que lhe tinha sido vedado, levantou-se, levantando-o também, na direção da porta e da luz do dia. Cá fora o outono cobria a paisagem de folhas secas e prantos molhados, um vento forte fustigava os cabelos, o fim de tarde aproximava-se. 
Um tempo triste, este, pensou ela. Mas não esperou pela primavera. Este era o tempo certo. E partiram, sem mais demoras. E sem mais esperas.

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