terça-feira, 26 de agosto de 2014

Contrário(s)

Era ponderada. Quando assim era, ficava de bem com as horas alinhadas do relógio e todas as rotinas que se seguiam, o conforto da janela aberta antes de sair de casa, o cheiro do café na mesma mesa de todos os dias. E o teto com traves de madeira escura, a lembrar-lhe a casa segura dos verões da infância. Segura e bela. Antiga.

Era ponderada, pelo menos assim se sentia, quando apreciava sábados previstos, o jornal e os primeiros raios de sol da manhã, a chegada do outono, folhas no chão e um casaco quente, arrumar a casa e preparar os dias, depois mais tarde, o natal, as bolas de sempre e a árvore, a casa vestida de vermelho e branco, a alegria dos sapatinhos na chaminé, retardando a solidão da lonjura de ser menina. 

Era ponderada, queria as tradições e os costumes, aninhar-se no riso dos filhos e das crianças, salas cheias de conversas longas e prováveis, as que confirmam que estamos no sitio que amamos e que nos devolvem a tranquilidade dos nomes que conhecemos e das histórias semeadas, com cuidado, no jardim de nosso tempo.

http://empreendedorismorosa.com.br/wp-content/uploads/2014/06/tempo.jpgContudo, nem sempre era assim. Em dias pouco prováveis, inquietava-se com a previsibilidade do tempo e dos sonhos, queria abrir brechas onde as paredes eram de betão e aço, rasgar o horizonte e alcançar o que havia para além da ultima linha do mar. Nesses dias, andava vergada e de olhos no chão, procurava lanças de ferir arquitetos pobres, esses que edificam prisões em vez de casas de portas abertas. 

Nesses dias, os caminhos de terra sabiam-lhe a condenação e fechavam-lhe a procura de outros continentes, debatia-se com força pela liberdade sem fronteiras, sabia de outros traçados em mapas de investigar novos mundos. Nesses dias, nada nem ninguém a convenciam da beleza da vida ponderada, debatia-se contra o equilibrio, sabia-o portador de mofo e cristalização dos sentidos e desejos mais belos e invulgares. Nesses dias, não apreciava o cheiro do café, nem retocava fotografias antigas em prateleiras de retratar a vida. Porque outra vida reclamava, num desejo feroz de abolir destinos.

Nesses dias, assim se gostava, assim se queria e se lamentava. Inexplicavelmente?       

Sem comentários:

Enviar um comentário