domingo, 6 de julho de 2014

Rescaldo

Domingo. Este é especial, está cheio de cansaço e muito silêncio. Terminou o ano letivo e os meninos e meninas lá foram para casa, depois da reunião de pais. A reunião correu bem, só eu sei como correu bem, depois de um ano de muita resistência. Venci as dificuldades, só eu sei como as venci. Gastei todas as energias, saberes e compromissos, lancei todas as fichas neste jogo de interação. Creio que ganhei, repartindo vitórias também por outros, mas consumi todas as reservas de bom senso, empenho e resiliência. Falarei disso noutro dia, hoje estou muito cansada. Apenas quero escutar o som do teclado e deixar correr as ideias. Juro que não me vou preocupar com aspetos formais do texto, quero soltar palavras, ainda que não casem umas com as outras. Ao contrário da relação com as familias, hoje, no texto, posso aceitar divórcios gramaticais. Não quero saber.

Sei que o cansaço veio para ficar por uns dias. O corpo doi-me e pede-me descanso e  sofá, coisa rara em mim nos dias de sol. Ainda que não queira, imagens do ano percorrem-me a memória, falta o ar em presença de algumas delas, sorriu e aceno com a cabeça na presença de outras. O ano que passou está todo concentrado no meu corpo, hoje. Ossos do oficio numa profissão fortemente interativa e relacional. Nós sabemos. E apesar de sabermos, não nos poupamos. Mas como o fazer? como deixar de dar abraços, limpar lágrimas, sarar feridas, incentivar subidas, acautelar descidas, sentar no chão, rebolar na relva, dançar, cantar, mimar? discutir e argumentar, confrontar, equilibrar, promover, apoiar...? como deixar cair estes verbos de ação e substituí-los por outros, mais discretos e menos corporais? não há como fazê-lo,  apesar de já não sermos jovens educadoras.Ou talvez por isso.

E é com o corpo e pelo corpo que nos relacionamos, desde o primeiro dia, como se fosse um cartão de visita que nos acompanha e que outros olham e gostam ou não, conforme a sua sensibilidade, expectativas, história(s) de vida, desejos. E as relações vão se contruindo um pouco ao sabor desta corporalidade e das suas mensagens, reais e implicitas, confirmadas ou não pelo quotidiano e suas vivências Mostramo-nos com o decorrer do tempo, corpo e coração em movimento, tentando decifrar  e atribuir sentido ao vemos e ouvimos, retendo as invariáveis que exigem desgaste de energia, convicção e colocação no topo da lista de objetivos. Com o tempo e a aprendizagem, vamos sabendo como definir prioridades, eleger o essencial, deitar fora o supérfulo. O que não vale a pena, o que pode atrapalhar e confundir. Mas como diz o principezinho " O essencial e invisivel aos olhos, só se vê bem com o coração" . Ver com o coração não é fácil, exige atenção, perspicácia, respiração pausada, batimentos cadênciados de um órgão vital e isso cansa o corpo todo. Creio que é assim para crianças, familias e educadores, ainda que com diferentes expressões e sentidos.

Depois ficamos assim no final do ano. Como se nos tivessem levado tudo, coração, ideias, riso, afeto, energia, razão. Deixamos os braços cair ao longo do corpo, dizemos adeus, fechamos a porta e olhamos para a sala, percorremos as produções ainda expostas, desenhos, pinturas, textos, histórias... escutamos o silêncio e sentimo-nos cansadas. Abosultamente cansadas. E isso acompanha-nos por uns dias.
É  assim que estou hoje. Em silêncio e cansada. A destilar as imagens dos ultimos dias e todas as outras desde o inicio do ano. 
 

2 comentários:

  1. É um pouco assim que me sinto, penso que muitas de nós se sentem também. É preciso ser educador(a) para nos sentirmos assim...
    Mas estes dias, logo após deixarmos os meninos, ainda nos permitem "deixar cair os braços ao longo do corpo" e descansar...
    Há, ainda, muito para fazer, muito papel a preencher, muita escrita, muita reflexão e avaliação. Relatórios, mapas, formulários, contas... e os braços, as mãos, trabalham no teclado, apesar do cansaço... é preciso deixar em ordem os papéis, para então poder por em ordem e dar descanso à mente e ao coração. Está quase...
    Beijinho Manuela.

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  2. É verdade sim, ainda falta um bom bocado, com muita escrita, avaliações, grupos de trabalho, terminar este ano e preparar o próximo. Com cansaço ou sem cansaço, tem que ser feito. E depois férias, vai ser bom e bem merecidas. Um abraço grande, Juca

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