Aqui estou, frente ao espelho e à vida. 62 anos
de mim, sem saber como. O corpo a encaixar-se no tempo, a alma a querer outros
rumos. E mudos de espanto nos quedamos, entre memórias e sonhos fatigados, que
como o corpo, se aconchegam à cadência do tempo. O tempo com brisa suave e
pouca urgência. Já nada renova o prazer do que vem a seguir. O futuro parece
perto, desfiado em palpites breves e viciados.
E, no entanto, de vez em quando, o som trémulo da
alegria e a paixão de ainda ter, por entre a pele, uma janela para a
lonjura do mar e dos sonhos. De vez em quando o prazer de um livro, o espanto
de saber que homens e mulheres compõem inteligentemente a cultura, produzindo
saber e compreensão do que somos. Uma felicidade imensa por pisar a terra,
abraçar a vida e o porvir, acreditar na coragem de gente boa.
De vez em quando, o esquecimento do caminho
feito, por se almejar, com todas as forças, um novo nascer e uma terra
prometida. Como se criar fosse a única possibilidade para os dias que nos
cercam. Hoje, como sempre, desafiar o medo da morte lenta, que nos confina a
noites escuras e abafa os dias claros.
Aqui estou frente ao espelho, olhando-me por
todos os lados, procurando uma nesga para alvitrar poemas certos para corações cansados.
Porque a cegueira à beleza dos dias é moléstia feia para alimentar. Continuemos,
pois do lado certo do desassombro. Apesar dos 62 anos.
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