sábado, 23 de março de 2019

Inclusão, compromisso e ética

Mais um sábado pedagógico. Desta vez sobre a inclusão e o novo decreto. Muita gente quieta e inquieta, a ouvir o que se diz e a pensar no que se faz. Sentadinhos nas cadeiras, não dissemos como no poema da Rosa Colaço, Senhora olhe p´ra vida, deixe as contas de somar! A vida, a nossa, de professores e educadores, estava ali, pronta a ser revisitada numa escola que só pode ser lugar de equidade e diferenciação. Por todos e para todos.

Uma comunicação clara, argumentos audazes, palavras desassombradas, a provar que a força das ideias e dos princípios é o chão e o céu que precisamos para nos pormos ao caminho. E mudos de espanto, convictos e resolvidos (por agora?) aderimos ao discurso e lá vamos nós, contentes e animados, somos muitos e não estamos sós, podemos mais do que julgamos, se é para ser que seja já.

Por entre a elucidação do que já foi feito e do que falta ainda cumprir para uma escola inclusiva, nós, em silêncio, com a cabeça à roda, perdidos e achados nos educadores que somos. E confrontamos o que fazemos, compromissos e cuidado(s) com os que na escola connosco vivem em jornadas de aprendizagem. E recordamos meninos e meninas, iguais e diferentes, famílias com rostos e histórias, equipas empenhadas e outras que nem tanto, projetos e conversas, reuniões, acertos e desacertos. E respiramos, entre o medo e a alegria.

E tentamos desatar o que nos espartilha, despimo-nos de velhas roupagens, mesmo aquelas que não usadas diariamente, ainda pegamos em dias de sol pardo. Porque os há. Dias pardacentos, traiçoeiros e manhosos, em que sem saber como, destilamos algumas crenças apreendidas pela força das circunstâncias pessoais, sociais e políticas. Porque somos também e ainda a escola que nos coube, por legado e tradição. Porque somos, sem quase nunca querer, o poder e a decisão, a norma e o padrão, o certo e o errado.Assim, porque sim.

Inventar uma outra escola, a partir do que já fazemos bem, urge deitar fora o que nos aprisiona e distorce. Urge estar alerta, para não cairmos nas rasteirinhas da prática, aquelas que nos segredam que a inclusão de todos, esta agora, sim, é quase impossível. Não, é tarefa de monta, sim, exige estar e trabalhar com outros, em cooperação e coletivo, equipas multidisciplinares, autónomas e ativas, éticas e capazes de trabalhar sobre o trabalho. E crentes. E corajosas, para poder, às vezes, dizer que o rei vai nu. E o rei são todos os meninos e meninas e famílias que aprendem lá na escola onde todos vivem, muitas horas por dia. E o rei são todos aqueles que a escola ainda deixa para trás, por alienação, desigualdade, elitismo.

Fácil? não, viver com os outros é difícil, como nos disse a Ariana Cosme, a dinamizadora do nosso sábado pedagógico. Obrigada por este dia e esta reflexão. Obrigada pelo entusiasmo e pela possibilidade de poder ser. Obrigada às colegas pela partilha das práticas de cooperação entre profissionais e meninas e meninas do 1º ciclo e jardim de infância. Obrigada por acreditarem e fazerem.
Obrigada a todos os que, apesar das dificuldades, insistem e persistem.


sábado, 5 de janeiro de 2019

sábado com saudade

Comprar o expresso, tomar café, sentir o sol e lembrar-me de ti. Assim estou, aqui. A tua ausência persiste na casa, abro a janela do quarto, deixo entrar o dia e tu não estás. As ausências deixam vazios frios e cheios, podemos sentir-lhes os contornos e as texturas, medimos essa geografia com batimentos acelerados do coração. 

A esta hora, lá longe, já foste dar a tua corrida e respirar o ar frio da cidade. Gostas dela, apesar da saudade, amas o seu sossego e tranquilidade, agarras a sua pacatez como um bem maior para te serenar e incluir no mundo. Imagino-te a percorrer quilómetros de memórias que entrelaças com as passadas firmes no chão. Desse caminho feito, ensaias o que há-de vir, queres tempo, liberdade, qualidade, silêncio, paz. São as tuas bandeiras e a tua luta.

Por aqui, instalo-me neste sábado, com uma pontinha de saudade e alegria pela coragem e pela procura de ti, fora do ninho e sem palhas macias. Revejo o teu crescimento e o teu corpo, riso, cheiro, protestos e abraços. As tuas escritas e conquistas, a tua sensibilidade e a tua resistência. E os sonhos. Tudo isto me propõe e afirma a tua razão e emoção. 

Penso que o tempo vai ser revelador de espaços de luz, que vai iluminar, para além dos dias que te demos, o sentido da sua (re)construção por ti e em ti. Longe ou perto, cá ou lá, mas sempre no coração, com amor. E respeito pelo teu caminho e a tua procura. 

 Começar de novo (Ivan Lins)

Começar de novo e contar comigo
Vai valer a pena ter amanhecido
Ter me rebelado, ter me debatido
Ter me machucado, ter sobrevivido
Ter virado a mesa, ter me conhecido
Ter virado o barco, ter me socorrido


sábado, 22 de dezembro de 2018

Às vezes, o natal...

Está a chegar. Vem, como todos os anos, expresso no que somos, porque somos nós que fazemos o natal. Vem ruidoso, às vezes, ou então de mansinho, com pantufas quentes, a comprovar que é em dezembro que acontece. Mas podia ser noutro dia qualquer, porque o natal é quando um homem quiser. Mas nem sempre queremos, movemos-nos pelas convenções, mais do que pelas urgências da vida justa.

Às vezes vem envergonhado, a pedir licença, em lugares onde teimam as coisas que não se tem e se devia ter. O pão na mesa, os abraços dos nossos, as roupas quentes, um colo e um regalo. Parece que quer ser natal, mas não é, pela força de destinos ganhos em lotarias do berço. E as crianças enxotam o frio e sonham com chocolates de leite, embrulhados em papel de prata. Pedem pouco e tantas vezes sabes-lhe a muito. Ainda.

Às vezes vem soberbo, a disfarçar a vaidade, veste-se de solidariedades breves e coisas afins, descarrega a culpa de saber-se para poucos, vestido de brilho e perfumes caros, mesas fartas e desperdício. Vemo-lo cintilante e inacessível, coisa de outros, abrimos a boca e perguntamo-nos por esta diferença e esta desigualdade.


Às vezes vem com saudades intensas, pequenos relâmpagos de imagens antigas, embrulhamos as prendas e sentimos a ausência, queríamos mais um embrulho e não vale a pena, o lugar da mesa já está vazio e não há encomendas a enviar para as estrelas no céu. 

Às vezes vem confuso, queremos que seja e também não, consome-nos o tempo dos dilemas, medimos-lhe o sentido e a verdade, riso e lágrimas, festas e silêncio, atordoados que ficamos com a beleza da vida e a sua fealdade.  Em proporções quase iguais, meio por meio. 

E ficamos assim, às voltas com o natal, o nosso e o de todos. Em casa, apesar de tudo, damos forma à luz e ao amor, retocando com intenção, o encontro dos amigos e da família, sustento indispensável dos dias. E assim se cumpre o natal, hoje e sempre, igual e diferente, justo e injusto, grande e pequeno, quente e frio. Mas nunca indiferente...

sábado, 1 de dezembro de 2018

dezembro


Dezembro de novo na nossa vida. E nós, de novo, em dezembro. Sem apelos nem agravos, a retomar o fio das estrelas e a luz das velas junto ao presépio, assim ou de outra forma, porque o natal se faz de mil maneiras, tantas quantas a nossa história, as nossas gentes, os nossos lugares e sonhos, o permitem. 

Dezembro de novo na nossa vida. E a nossa vida a tomar forma nos dias, a compor os seus significados, às voltas com memórias distantes, o cheiro das filhós na bancada da cozinha, as meias e os rebuçados no sapatinho, o musgo, o espelho cintilante e as figuras de barro do presépio. A magia de retomar, com cadência, uma certa ordem das coisas para exprimir o amor e a intimidade do que fomos, com beijos e bibes de trazer por casa. 

Dezembro na nossa vida e nós, aqui. Sem escola por perto, mas com os meninos e meninas em presença, revisitar o que fizemos e tentámos, os seus olhos brilhantes pela magia das cores e o calor dos abraços perto das prendas, num lugar onde a vida é injusta e a pobreza o pão nosso de cada dia. Os seus risos e as guloseimas a aquecer uma infância quase sempre esquecida.

Dezembro na nossa vida e nós aqui. Montamos a árvore na sala e alindamos a casa, confiantes da sua importância para a continuidade de nós e dos sonhos. Convocamos os nossos para virem à ceia, mudamos os lugares, mantendo o amor, com pequenas lágrimas de saudade pelos ausentes. E acendemos uma vela em seu nome.  

Dezembro de novo na nossa vida e nós de frente para o futuro, indagando o seu mistério. Porque o queríamos transparente e atingível, moldável e submisso, longe de vagas perigosas, junto de marés de sorte. Um futuro promissor de boas novas, para nós e todos os outros. Um futuro certo e amigo de todos. Sem exclusão. 

Dezembro de novo na nossa vida.