Hoje acordei com saudade do mar. Da água a perder de vista, do som das ondas a bater na areia, do vento forte. Acordei com saudades do mar, mas este de aqui nem de agora, mas de outro, bravo e valente, agreste e ainda assim, tão generoso em peixe concedido para canastras de verga. O pregão alto e as mãos com sal, é a sardinha do nosso mar.
Acordei com a infância a bailar-me no credo, o cheiro da maresia preso nas pedras, as camisas axadrezadas dos pescadores, mãos calejadas das redes para ganhar o pão nosso de cada dia, em dias nem sempre fáceis para este propósito. E as mulheres de longe a sondar o jeito do mar.
Acordei com a falta de algazarra junto ao mar, a lengalenga de mães a chamar os cachopos, pão com queijo e uvas pretas, a ternura escondida e meia disfarçada, mas a escorregar pelos olhos e nas palavras, às vezes apressadas e rudes. Mas só por fora, por dentro um amor intenso e protetor à sua prole.
Hoje acordei menina de bibe lavado e marrafa composta, deserta de dia de festa, ir para o bote atravessar a ria, sentir o som da água a deslizar, o moliço espalhado, o junco nas margens e as casas antigas, ao longe, adornadas por risos inteiros e conversas trocadas.
Hoje acordei saudosa da infância, da ida ao mar ao domingo, da lentidão do tempo em tardes sem fim, do cantar das cigarras e do milho seco na eira, das desfolhadas com os vizinhos. E do jarro da água a passar de mão em mão, dos olhares atentos das avós, eternamente dispostas a ouvir e a cuidar.
Por isso, hoje acordei com a saudade de tudo voltar a ser como era, não para recuar muitos anos, mas para desconfinar e voltar a ser gente, entre outros. Porque os outros e a comunidade nos devolvem aquilo que somos, gente de alma e coração, entre iguais e diferentes.
Assim nos queremos. Assim possamos.
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