Fui ao mar e vim do mar sem lhe contar as virtudes. Eu, que perdi a conta às vezes que o decantei, em dias de ondas mansas e areia macia. Mas o mar, neste agosto, pediu-me sossego e contenção, recato. Fiquei muda e espantada, de frente para a sua lonjura, enrolada em pensamentos dispersos, sem ousar quebrar o silêncio.
Fui ao mar e vim do mar, sem lhe sentir verdadeiramente os atributos. Presa ao ano que terminou, com ecos de cansaço e vestígios mal disfarçados, foi cedo para sonhar outros mundos, esses que sempre me assaltam quando, junto ao mar, retomo o que sou, deitando fora todos os desperdícios de mim.
Fui ao mar e vim do mar, sem lhe trazer os vestígios. Um bocado de areia no fundo do saco, conchas pequenas para adornar a casa, a toalha com cheiro a maresia, a pele queimada, raios de sol na algibeira. Nada.
Fui ao mar e vim do mar sem lhe reter a frescura. E soube-me a pouco, dado o muito que estava empedernido dos meses vividos a custo e a medo. E demoram a passar. A ausência dos abraços, as ruas desertas, o confinamento imposto, os amigos à distância, as aulas por computador, as casas a serem escola e as escolas sem pessoas. Foi muito e foi duro.
Fui ao mar e vim do mar e tenho que lá voltar. Talvez agora, com mais distância, já lhe possa sentir a beleza e retirar-lhe os dividendos. Vai ter de ser.
Inscrição
Quando eu morrer voltarei para buscar
Os instantes que não vivi junto do mar
Sophia Breyner
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