Um sábado de outono. Céu cinzento, campos molhados, gotas de chuva a salpicarem de mansinho os dias que vamos vivendo. Chegou novembro. Gosto deste regresso, a prometer o cheiro de castanhas assadas e a intimidade boa de uma sala quente. Com sofá e livros. E conversas longas.
Gosto deste tempo e da possibilidade de recato e interioridade. O tempo ameno, às vezes agreste e frio, a convidar-nos para olhar para os nossos botões, em boa companhia. Uma espécie de hibernação dos dias fartos de sol, que puxam para o terreiro e para o estonteamento da vida.
Gosto deste tempo e de poder refazer a roda dos dias, mexer-lhe na direção e nos contornos, cimentar o sentido do que somos. Gosto de conversas longas à volta da lareira, ou na mesa de um café, com amigos que, como nós, apreciam o desfiar das palavras para a composição do mundo. Gosto de falar de crianças, de pedagogia, buscar os sentidos da profissão de educar crianças, tarefa sempre sujeita a perplexidades e desafios. Gosto de partilhar livros, comentar filmes que nem vi, pegar na minha alma e mostrar duvidas e medos pouco confessados. Desnudar-me e reinventar-me.
Mas para isso, é preciso ambiente e luz certa, contemplação, retraimento e pudor, que há uma diferença entre "dizer coisas ou ter coisas para dizer". Por isso, gosto muito do outono, a escorregar de mansinho para o inverno e do tempo fusco, sem luzes da ribalta, num aceno discreto à companhia das palavras e conversas boas.
Como a poesia. Aqui fica.
Os ritmos
Inventei a dança para me disfarçar.
Ébria de solidão eu quis viver.
E cobri de gestos a nudez da minha alma
Porque eu era semelhante às paisagens
esperando
E ninguém me podia entender.
Sophia de Mello Breyner in Coral 1950
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