Deter o tempo e inspirar a lonjura do silêncio. Segui-lo até à imensidão da alma, abrir a porta, sacudir as últimas migalhas de cansaço, ensaiar uma dança na claridade do jardim, sorver as primeiras gotas puras do dia, antever a tua chegada por entre os espaços soltos da memória. Confinar-me nessa alegria, uma espécie de promessa de mel espalhado no pão, saciar a sede de infinito e beleza do mundo. Tê-la o mais possível dentro de mim e junto às imperfeições da vida.
Depois passear pelo esplendor do rosto dos amigos, gente segura e sempre certa. Rever com tempo o seu presente, animá-lo ao som da amizade que é de pedra e cal e está para durar. Entender e aceitar essa esteira boa de quem caminha com outros. soltar gargalhadas na esplanada mais perfeita para ver o mar, o azul da água a brilhar no colo da areia, o vento a acariciar as penas brancas das gaivotas. Adormecer ao som do seu grasnar.
Depois sorrir das certezas, sem receio da presunção e água benta. E escrever. Agarrar a liberdade e deter palavras, impedi-las das suas fugas, inscrevê-las em ladainhas de enredos e verdade. Cativar a sua luz e o poder de cumprirem histórias e sonhos. Uma espécie de dicionário da realização da vida, a incansável procura da sua beleza e sentido.
Depois dormir, ler e descansar. Sair para espantar rotinas, deitar fora o que incrustou na pele e é, em alguns dias, uma segunda camada, a perturbar o ritmo da invenção dos dias. Da mudança de nós, por nós. Sem atilhos e nós cegos.
Com rédeas soltas, para procurar a beleza e a maravilha. Como nos diz Eugénio de Andrade
Procura a maravilha
Onde um beijo sabe
a barcos e bruma.
No brilho redondo
e jovem dos joelhos.
Na noite inclinada
de melancolia.
Procura.
Procura a maravilha
Eugénio de Andrade
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