Gostavas de praias desertas e de mergulhar no mar, deixando o sal e a areia colar-se ao corpo, compondo formas, como filigrana esculpida. Dizias sempre que não irias tomar banho, porque, eu gosto disto e gosto assim, levo o mar comigo não vês? E eu, que me queria logo enxuta e limpa, discordava e teimava... ora levares o mar contigo...mas levavas. Como sinal de liberdade e antídoto para os dias tristes do inverno.
Porque gostavas do sol, das ruas com gente, da esplanada e do café, dos livros e da companhia dos amigos. Porque esgrimias ideias como quem joga a última carta do baralho, porque a toda a hora era hora de perguntar, pensar, responder, discordar. Porque não obedecias por condição imposta, escolhendo a luta ao descanso morno do sofá.
Empenhaste-te até aos ossos em muitas causas, projetos e iniciativas, fazendo a tua parte, para se mudar de rumo. Social e politicamente. Sempre desafiadora da ordem e moral vigente. Lembras-te? muda de rumo, muda de rumo já lá vem outro carreiro...Já não te lembras, eu sei. Só não sei o que fazer com o que sinto, quando te vejo assim ausente e perdida. Tu que eras tão determinada e decidida. E autónoma e independente. E amiga. Profundamente amiga.
Porque perdias tempo, sem tirar dividendos, porque acolhias como ninguém, um bom almoço ou a maça e o copo com água na mesa de cabeceira, porque podem ter sede de noite, quando a tua casa foi porto de abrigo de outros. Ou quando cuidaste dos meus filhos e lhes fizeste o jantar, cá em casa, com a generosidade que sempre tiveste. Sem fazer alarido.
Agora, já não podes ler este meu texto e discutir comigo as ideias principais, como sempre fazíamos entre concordâncias e desacertos. Partiste para outro lugar e ainda que te veja, já não estás cá. Não sei como preencher esta ausência e sobretudo, não sei como zelar pela continuidade da tua inteireza como pessoa e da dignidade que a tua vida agora exige.
Não sei o que fazer e tenho saudades tuas. E medo do que virá depois. Não podes ficar só mais um bocadinho? E dar-nos um ponto de luz, para iluminar o caminho?
Se tanto me dói que as coisas passem
Se tanto me dói que as coisas passem
É porque cada instante em mim foi vivo
Na busca de um bem definitivo
Em que as coisas de Amor se eternizassem
(Sophia Breyner)
Sem comentários:
Enviar um comentário