Mãe
Hoje faço anos e sabes, já não vou para nova. Não estás cá para ver, mas já tenho rugas, o corpo a mudar, assim meio à socapa, umas dores que aparecem, às vezes, irritantes e tristes. Olho-me ao espelho e juro que te vejo. Recordo-te o rosto e o silêncio apaziguador. E gostava que cá estivesses, para conversarmos sobre a vida. Esta agora que tenho, passado doze anos da tua partida.
É que não sei muito bem a quem falar de tudo isto que me acontece, em alguns dias. Não, fica descansada, não é sempre, porque de resto, mãe, e isso é maravilhoso, ainda olho pela janela à procura do voo de um pássaro, ainda saboreio um bom livro com paixão, ainda faço projetos (vou escrever um livro, lembras-te?) ainda acalento sonhos e devaneios. Mas não há como negar, olho muitas vezes para trás, procuro a jovem e a menina que fui, tento compor sentidos e feitos. E espanto-me, juro que me espanto. Como é que cheguei aqui? Com todos estes anos?
Não, não me sinto velha, mas estou. E como é que podemos estar velhos, sem nos sentirmos, não é? Lembro-me de ti, eu nova e tu da idade que agora tenho, e eu, ocupada com a vida, sem atender às penas do teu coração. Porque eras juvenil, apesar da idade e das perdas, porque eras a mãe, porque sorrias e parecias uma menina, porque recusavas ter a condição que te davam. E lá comprávamos o creme e a blusa nova e tu a querer que tudo assentasse bem. E nós, e eu, a pensar, mas está tão bem, não é? Não devia estar, porque o que tu querias era que te assentasse outro tempo e outra idade. E nós, e eu, sem lucidez para ver a exata dimensão desse desejo.Agora já sei. Também procuro o creme e o perfume, o lenço no pescoço e o sorriso pela manhã e, devo dizer-te, que nem sempre assentam muito bem. E quando procuro anuência ou discordância, dizem-me, os rapazes cá de casa, deixa-te disso, então, está muito bem... e devolvem-me à minha condição, a que tenho e nem sempre sinto. Porque a empatia é um lugar estranho, moldado pela realidade do que somos no momento. Não é insensibilidade, é dificuldade de tomarmos o ponto de vista dos outros.
Acho que agora, se cá estivesses, podíamos conversar sobre este assunto, que é o de termos muitos anos e de ficarmos aflitos, com medo do tempo que escassa para o que (ainda) falta fazer. Creio que irias dizer que estou muito nova, mas abanarias a cabeça, e darias tempo para desfiarmos os nossos rosários. E juntarias a tua à minha voz.
E era isso que eu precisava, hoje. E mais o bolo de anos, o café quente, os parabéns, risos e flores. Por isso e na tua ausência, já fiz a jarra da sala. Está linda. Obrigada, mãe.
Manuela o que dizer... Embebida das tuas palavras fiquei a imaginar a tua mãe, a imagem de duas grandes mulheres sentadas no jardim à conversa sobre a vida.
ResponderEliminarÉs dotada do dom de falar e escrever o que sentes, pensas. Fazes-me viajar nas palavras e absorver o sentimento que há em cada uma delas.
O tempo passa por nós e deixa a marca de cada vivência, a sabedoria dos tempos.
Pode haver um olhar cansado, uma dúvida na roupa, um penteado despenteado, mas o coração, esse não muda. Não se vê? É verdade, aos olhos de quem não vê para lá do físico e concreto.
Obrigada pela pessoa que és e nos deixas conhecer. 😊
Manuela o que dizer... Embebida das tuas palavras fiquei a imaginar a tua mãe, a imagem de duas grandes mulheres sentadas no jardim à conversa sobre a vida.
ResponderEliminarÉs dotada do dom de falar e escrever o que sentes, pensas. Fazes-me viajar nas palavras e absorver o sentimento que há em cada uma delas.
O tempo passa por nós e deixa a marca de cada vivência, a sabedoria dos tempos.
Pode haver um olhar cansado, uma dúvida na roupa, um penteado despenteado, mas o coração, esse não muda. Não se vê? É verdade, aos olhos de quem não vê para lá do físico e concreto.
Obrigada pela pessoa que és e nos deixas conhecer. 😊
Olá Manuela. Fico sempre deliciada a ler os seus textos!!! Adoro ler as suas palavras que muitas vezes parecem os meus pensamentos, sem ter o seu dom da escrita...
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