E lá fomos ao médico, tudo organizado no saco, medicamentos e perguntas no papel que a memória, desde há um tempo, anda escassa e atrevida, a brincar ao toca e foge. Por via das dúvidas, tudo escrito e anotado, não vá o diabo tecê-las. No consultório, quis que entrasse, e ali fiquei, primeiro em silêncio, depois numa partilha amigável, sinalizando aspetos e relembrando outros. À pergunta "e como anda a memória?", rimo-nos, sabendo que é mais leve e fácil que seja assim, sem ignorar o facto e a circunstâncias
Depois viemos embora, sem antes verificarmos se nada ficara esquecido e compondo no saco todas as coisas, uma e outra vez. Num contínuo movimento, as mãos a compensarem o que a mente não retém.
Pela rua, muitas paragens, conversas soltas de amigas de sempre, por entre preocupações e perguntas recorrentes. Alguns risos e um café ao postigo, bebido no banco do jardim, que o ar se quer leve e amplo. E o espaço e o tempo, esse escultor da nossa vida, que agora se confunde e se perde, tonto e inquieto. Para o contrariar revertemos-lhe o sentido e convocamos feitos e histórias: férias em conjunto, o trabalho voluntário no bairro, episódios burlescos, discussões acesas, noitadas de amigos, cartas e postais trocados. E os dias e as noites de estudo em conjunto no sótão. E os miúdos a crescerem, por entre graus académicos e amigos solidários.
Depois de novo, os sacos, os escritos, as perguntas habituais, a vida toda como agora é. Esqueci-me de alguma coisa? não, está tudo.
E está. Tudo é a amizade que perdura e os laços que nos unem, sabendo que nos temos e que isso é uma arma para arredar o medo e a solidão. Um antídoto seguro e eficaz conta o esquecimento. Por agora. E para sempre, assim espero. Saibamos nós, cuidar e atualizar, com sensibilidade e afeto, este património comum. Rico, longo, construído e reconstruído pelos anos. É assim a amizade. E podia ser de outra forma? não, não podia.
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