quinta-feira, 28 de dezembro de 2017

Assim me queria

Queria um oficio para trabalhar palavras como essência do mundo. Apresentar-me artesã das coisas principais e saber, na aflição dos dias, escolher as doses certas para o nosso viver. Conseguir, na imensidão do tempo, convocar o melhor de cada um, em doses justas e perfeitas. Caldear, na bruma do que somos, trevas e luz, alegria e choro, cansaço e rebeldia e obter a sua dimensão exata. 

https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/9/9b/Mo%C3%A7a_no_Trigal_-_c.1916.jpgQueria apenas esculpir o trigo apropriado para as sementeiras da terra que nos circundam, misturar cozedura do pão e amor crescente, adubo seguro para os afetos. E apresentá-los como a coisa principal, no palco da nossa vida. Retirar, com minúcia atenta, os desperdícios que nos moem a alma, limpá-la de todas as impurezas, conseguir a obra mais clara de nós. Esculpir apenas e só o essencial.

Queria sacudir de mim os restos de tudo que nos consome, libertar o corpo e o pensamento de ideias inúteis, pequenos delírios das nossas certezas e vaidades, coisas breves e no entanto, tão empolgadas na hierarquia do que vivemos.

Queria esculpir as palavras certas e necessárias deste oficio que me persegue e de que não dou conta. Fazer um glossário novo, pequeno e essencial, acertar os seus sinónimos, perseguir os contrários, enunciar outros sentidos. 

Queria um oficio de trabalhar palavras como essência do mundo, mas sei que é tarefa de monta e coisa improvável. Não impede que me persiga, a cada dia e hoje também, nesta espera pelo ano novo.


2 comentários:

  1. trabalhar palavras como (na) essência do mundo é... o teu ofício Mánuéééla. Ofício de monta certamente, mas que tive o prazer de te ver agarrar sempre com olhos cheios de sonho e dor e sensibilidade. gosto-te

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    1. Oh, não tinha visto este comentário! que bom! com olhos de sonho??? viste? ainda bem, assim os quero! beijos

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