quarta-feira, 8 de março de 2017

Falar delas

Relembremos as suas vidas.
Os filhos que levaram pela mão, no principio das madrugadas, a roupa lavada no lavadouro, os aventais a cobrir o vestido gasto pelo tempo, o cabelo preso na missa de domingo, o arroz doce na mesa para alindar a festa. As horas a correrem devagar e o olhar vago pela janela. 

Relembremos as suas vidas.
Levantar cedo e preparar o leite, fazer a cama e arejar a casa, cortar o pasto, regar o quintal, fazer a sopa, numa panela grande, à lareira e distribui-la pelos pratos, ficando com a menor parte. Tornar-se invisível e transparente na paisagem das casas que cuidam e alindam. Com sabem e podem.

Resultado de imagem para imagem de mulheres na arte miróRelembremos as suas vidas, aquelas que acontecem todos os dias, visível nos corpos que se apresentam quando levam os filhos para a escola, como hoje de manha. Fui vê-las, neste dia, num jeito discreto de comemorar a sua bravura como organizadoras dos dias das suas gentes.
 Fui vê-las e envolvi-me de novo no seu acolhimento feito de silêncio, poucas palavras, sorrisos mornos e amigos, uma maneira de contemplar os outros, como se vissem um filme e não pudessem ser os atores principais, ainda que a sê-lo. A sua condição de segundo plano, pausadamente aceite e interiorizada numa espécie de acordo tácito construído desde a infância.  

Relembremos as suas lutas miudinhas, pequenos feitos, grandes milagres, multiplicar o pão e a fruta, esticar o dinheiro até ao fim do mês, comprar as galochas para a chuva, oferecer rebuçados para adoçar os filhos, aguentando as criticas de más gestoras da economia doméstica. E culpadas de todo o insucesso, pela pertença a grupos socialmente desfavorecidos.

Relembremos  o seu lado de dentro, atacando os preconceitos e as menos valias, aquelas que pautam as nossas representações sobre as suas vidas e o seu alcance. Porque estas mulheres constroem os dias e o futuro, numa labuta discreta, mas poderosa.
Reconheçamos a sua presença e poder em todos os lugares do mundo. Em casa, na rua, nas escolas. Hoje e todos os dias, com práticas de participação e defesa dos seus direitos e da sua dignidade.


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