A casa grande foi sempre grande, mas estava mais cheia e não se sentia o vazio. Quando foi escolhida, os rapazes disseram que sim, o pai também e a mãe anuiu, sem partilhar o mesmo entusiasmo. Contra as expectativas, preferia lugares mais pequenos, garantia que davam maior aconchego e proximidade.
A casa grande cedo se tornou necessária e feliz para quem nela veio morar. O avô, homem de poucas falas e muitas saídas, que da casa grande podia ir ter à sua, num ápice de liberdade e autonomia. A avó, perdida no jardim e no portão, olhando a rua e as flores, à espera de bocados de histórias que lhe ofereciam ao final do dia. Os rapazes, com sonhos de espaço e independência, todos ao molho e fé em Deus, nas noites em que os amigos cá dormiam, mas cada um no seu quarto, quando a rotina se impunha e a intimidade exigia lugares para ser e ficar só; O pai à volta do sótão e dos livros, das suas coisas e loisas, com dias de jardim, a rir pelas uvas apanhadas, a domar o crescimento desenfreado de ervas daninhas, A mãe, contente com o refugio para a escrita, mas dispersa por todos os lugares, numa espécie de radar ligado, estar aqui e ali, mas também acolá.
A casa grande teve dias em que foi pequena, festas de anos, noites de natal, S. Martinho e S. João, gente a entrar e a sair, amizades grandes e eternas, conversas soltas, abraços, lágrimas e alegria. Testemunhou o crescer da vida, conteve tudo o que nela foi vivido, gente mais nova e gente mais velha, borbulhas dos rapazes e amores destroçados, amuos de avós e rugas sem parar, doenças e partidas, queixas e afagos, liberdade, inquietação e amor. Acolheu todas as mudanças e caminhos percorridos
Depois os anos passaram e a casa foi ficando mais vazia. Primeiro, partiram os avós, cada um por sua vez, deixando vazios os quartos, os lugares na mesa, as conversas à noite, junto à televisão. Uma saudade imensa, amenizada pelas memórias e fotos na sala. Depois partiram os rapazes, um primeiro e o outro a seguir, fazendo-se à vida, como autores de sonhos na primeira pessoa do singular. E ficou o pai e ficou a mãe, de volta do sótão e do jardim, dos projetos e do trabalho, da casa e das memórias, cuidando-a e cuidando de si, para alento do que foi e do que ainda pode ser. E a casa ficou maior e mais vazia. Mais grande, ainda.
Mas em alguns dias, a casa volta a ser pequena, de novo. E é uma alegria. Enche-se de amigos, dos rapazes e das suas companheiras, dos sobrinhos e dos pais, de outras famílias, é um entrar e sair, ficar e permanecer, relembrar e construir outras maneiras de ser casa e ser família. Com laços de sangue e laços de coração, que as famílias tomam as formas que quisermos. As casas também, simbolicamente falando. Porque não se pode impedir que sejam da forma que são, maiores ou mais pequenas. E esta é grande. Em espaço, em memórias, em referências. Assim possa continuar, por muitos anos. E que possa ser em muitos dias, pequena, pela presença de muitos. Os que amam a casa e a casa ama.
Belíssimo! O dia ainda não acabou, mas dá alento para o que ainda falta....
ResponderEliminarPor vezes, também ajudo a encher a casa...obrigada!
ResponderEliminarComo eu me revejo na casa grande, tantas vezes pequena, outras enorme mas cheia de sonhos de saudade.
ResponderEliminarGostei muito Manela!
Também tive uma casa grande onde fiquei depois de muitas vidas e partidas.
ResponderEliminarDepois o vazio pesava muito. Demais.
Agora a casa grande voltou a estar cheia com a vida de um dos meus rapazes.
E nós também lá vamos:o irmão, o pai e eu. Porque ali habitam memórias e vive-se um convívio alegre e bonito