Sábado com chuva e céu cinzento, neste doce mês de novembro. Gosto desta acalmia e deste molhado, uma espécie de cortina parda dos dias, a embalar-nos de mansinho, para que possamos conter o coração dentro do peito e sossegar as duvidas e desatinos. Uma forma de ato de contrição, a propor resumos do que somos e fazemos neste lento correr dos dias e dos anos.
Enrolo-me na escrita das palavras, nesta manha de aquecer segredos. Evito, de forma dissimulada e temporariamente, pensar sobre o que devo pensar. Um desafio lançado para partilhar com outros, práticas sobre o cuidar, na educação de infância. E se são práticas têm conceções, porque o fazer pedagógico não é neutro nem desprovido de intenções, mobilizando diariamente e em ação, as nossas ideias, princípios, conceitos, amealhados e investidos durante o nosso desenvolvimento pessoal e profissional. Somos o que pudemos aprender e viver em contexto. Portadores de ideias e perspetivas, praticamos a pedagogia, investindo-a de múltiplas intenções, muitas das quais nos escapam e não poucas vezes, contrariam os ditos que apregoamos. A educação, como sabemos, não é uma matéria que se ensine mas uma atitude que reflete o confronto das vivências do educando que fomos com as do educador que pretendemos ser (João dos Santos).
Por isso, quando me detenho no cuidar, para o pensar e ilustrar no contexto educativo e na práxis, fico toldada na sua explicitação. Assaltam-me diferentes ideias, consulto definições, tento fazer a revisão da literatura. Separo águas e entendo-me quanto ao que cuidar não é, afastando desta dimensão os cuidados parcelares de resposta às necessidades biológicas das crianças (higiene, sono, alimentação...), numa espécie de cumprimento de obrigações básicas, ainda que as mesmas sejam fundamentais para o sentimento de bem-estar e bom crescimento. Um direito. Mas não chega e é pouco. Nem só de pão vive o homem...
No contexto de uma sala de creche e jardim de infância, de que precisam as crianças para além do pão? o que significa cuidar? como cuidamos e de que cuidamos? Cuidamos de garantir a construção de um currículo significativo e à medida do que são e têm direito a vir a ser, gente que aprende a cuidar, cuidando-se, num ambiente de respeito, reforço de identidade(s) pessoal e familiar? cuidamos das suas famílias e da sua participação no quotidiano da sala? Cuidamos, pela garantia da apropriação da autonomia de grandes e pequenos, gente que pensa e faz e fala, com direito à palavra e à expressão, nas suas múltiplas dimensões? cuidamos do choro, da alegria, da liberdade e da democracia? cuidamos para que aprendam a cuidar e zelem por si e pelos outros, sabendo que essa é a condição de ser pessoa e estar no mundo? Cuidamos para que o mundo seja mais justo e os meninos, homens e mulheres, mais ativos e construtores dos seus dias? Cuidamos para aniquilar desigualdades e garantir o sucesso para todos?
Detenho-me e inquieto-me, porque não quero uma comunicação panfletária, mas apenas a tradução das práticas e das dimensões do cuidar como dimensão ética. Sintetizo o que faço e tento fazer, percorrendo as práticas e as minhas escritas sobre o seu sentido. Com muitas dificuldades, sempre. Com avanços e recuos, conquistas e desalentos, persistência e utopia.
Serei capaz de falar significativamente sobre o cuidar?
"E vi-me a
fazer paralelo entre o cuidar da infância e o cuidar da velhice, e como há
tantas matérias que se intercetam e complementam nestas profissões do humano, e
que se centram em competências emocionais e interativas, fortemente
ancoradas em atitudes de empatia, compreensão e humanidade.
Porque os
homens e as mulheres que vimos, já foram crianças, já foram pais e mães, já
foram profissionais. Cuidaram de outros, participaram na construção do seu
tempo, deram de si ao mundo: corpo, emoção, razão, trabalho, riso, afeto.
E porque as
crianças necessitam também desta experiência, para se sentirem amadas e
valorizadas, bem queridas. Para que possam construir, em concreto, esta
aprendizagem, numa abordagem inequívoca de interação positiva e fortemente
atenta aos outros, para bem cuidar e bem tratar, agora e no futuro.
Para que o
mundo seja mais justo para todos, os que chegam ao mundo e os que dele se
preparam para partir" (8.2.2016, Cuidar bem)
"Por isso
lutamos por ela como uma pele que nos cobre e no identifica. Em casa, na
escola, com pequenos, grandes e médios... diriam os meus meninos se com
eles estivesse a conversar. E diriam mais, porque sabem, apesar dos erros e das
imperfeições, que é pela democracia e pela liberdade que nos batemos todos lá
na sala. Não é um caminho fácil, mas é o único que a dignidade de cada um de
exige.
Apesar de pequenos, os meninos sabem, porque vivem, que a participação é uma
prática, por isso uma causa séria da vida da sala. Os meninos sabem que todos
têm lugar e todos podem ser, através de palavras, ações, registos, discussões.
Acertos e desacertos. Em cada dia, no final de semana, nos conselhos que
realizamos, nas decisões que tomamos, nas escolhas que fazemos, tentamos dar
corpo a este princípio e a esta prática. Com alegria, com choro, às vezes, com
contenção, com surpresa, com resistência, com solidariedade. Construir o nosso
lugar e o lugar dos outros para um bem comum, não é coisa fácil, mas é coisa
boa. As crianças aprendem que esta é a forma justa de viver em comunidade. Se as crianças podem e aprendem e se tornam mestres nesta arte, porque é que os adultos se diminuem e se omitem na condução dos seus destinos?" (24.1.2015, De pequenino se torce o destino
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