Escrevo. Junto as palavras e componho as ideias, relembro ações e consulto os factos, descrevo, o mais detalhadamente possível, o trajeto de evolução e aprendizagem. Tento garantir, por escrito, que em setembro, o saibam acolher e abraçar, tal qual ele é e pode vir a ser. Uma pessoa, com recursos e promessas.
Emociono-me. Três anos de caminho, ao principio o corpo todo em tudo, tinta e cola na boca, água a escorrer nas mangas, gestos assustados e poucas falas. Apenas os olhos, apenas a emoção, às vezes contra todos, às vezes contra o chão, a cuspir e a deitar fora tudo o que não encaixava na sua experiência. Às vezes zangas, às vezes o cansaço, às vezes o lamento de ser-se tão pequeno e saber já tudo de si e tão pouco de outros mundos. Aos poucos, a alegria, parar para olhar os outros, aprender e envolver-se, por fora e por dentro, desenhos e pinturas mais elaboradas, o pincel de braço dado com a liberdade e o coração, a leveza dos traços, para cima e para o lado, fazer uma casa sem que parecesse, mas a intencionalidade já presente. Agora, a confiança de assinar o nome nas produções e nos mapas, as cores na ponta da língua, a realização das tarefas, a cooperação com outros, o sentido sempre alerta e a curiosidade imparável de quem procura, antes de todos, o que vem nos sacos... Ah é para fazermos uma casa para os caracóis...eu sei... posso ser o primeiro??? Sempre a tentar garantir o que não tem de mão beijada.

Para quem escrevo eu? para a família que veio e não sabendo ler, ouviu e conversou e sorriu. E quis confirmar
se ele estava bem. E está, pois, menino lindo e combativo, persiste nele uma ligeira agitação, qualquer coisa que o faz levantar-se, perguntar, falar. Mas já sabe ouvir, compenetrar-se nas suas escolhas, iniciar, desenvolver e terminar. Persiste nele um imediatismo na resolução de problemas que o faz bater ou dizer um impropério menos adequado. mas já sabe encontrar palavras boas para oferecer aos outros, discutir no conselho, com argumentos e atenção. E sabe fazer teatro, e sabe dançar e cantar e espanta-se com a beleza e gosta de artistas. E memoriza e compara. e muito mais...e emociono-me de novo e canso-me com tanta escrita.
Para quem escrevo eu? para uma escola de norma e padrão, onde os diagnósticos são prontos a vestir e as metas uns cardápios que guiam o futuro, sem espaço e gente por dentro, que é como quem diz sem os meninos e meninas autênticos e reais que povoam as nossas salas e a nossa profissão?
Ou para uma escola que aprende, que diferencia as suas práticas e modos de fazer, desafia cada um de acordo com o que é e sabe e materializa uma aprendizagem a par e passo, centrada no grupo, no contexto de vida das crianças, famílias e comunidade? Uma escola preparada para acolher cada criança, nas suas características, sonhos e condições?
Prefiro pensar nesta ultima solução, para tranquilizar os meus receios e previsões. Para sentir que avaliar assim, descritivamente e centrada nas conquistas e evolução, é bom, é certo e vale a pena. Para que todos tenham lugar e o sucesso seja um direito real e indiscutível.
E não fique a ruminar na ideia que uma colega me disse quando viu uma ficha de avaliação...Bolas, pois...tu fazes assim porque és perfecionista e consciente, mas ninguém vai ligar a isso!...
Mas vai, não vai?