domingo, 18 de outubro de 2015

Crescer: entre colos e palavras

Uns chegam em correrias malucas, risos altos e gestos enérgicos, com as mães a protestar, porque fugiram delas. Outros, mais calados, franzem o sobrolho e encostam-se mais um pouco ao sono que trazem preso ao corpo. Outros, dizem bom dia e marcam a presença, compenetrados das suas obrigações. O inicio do acolhimento é assim, interativo e com uma forte relação dual, assente em olhares e trocas de coisas que vêm de casa, combinações de brincadeiras conjuntas, ameaças de nunca mais se ser amigo. E o plano do dia tem que esperar, porque há braços no ar e pedidos: posso falar de um problema?...Posso dizer uma coisa?...Quero falar. E paramos tudo e falamos que este desejo recentemente conquistado merece ser respeitado e valorizado. Para além do plano do dia, ou melhor, em favor do plano do dia, que necessita de meninos e meninas que saibam dizer-se e pensar-se.

E lá ficamos nós em conselho a ouvir-nos e sempre a dar atenção a quem está aflito, em lágrimas e em dores. Porque as sentem e as expressam. Eu tenho um problema, a minha mãe foi ter um bebé, no hospital, é o meu irmão...mas isso é um problema? o teu mano está bem?, digo eu. E ele responde do alto dos seus 4 anos...o problema é que a minha mãe não vive na minha casa. Eu tenho um problema...o meu irmão caiu e ficou ferido e foi para o hospital...Manela, a L. já não é minha amiga... Todos ouvem, todos comentam, todos querem falar.

http://revistacrescer.globo.com/Revista/Crescer/foto/0,,34513923,00.jpgÉ também pela manha que os colos são solicitados, fazendo fila junto dos adultos. Querem porque querem e ficam zangados quando não têm. Temos sempre que negociar, o que não é fácil e nem sempre justo para alguns. Nesta semana conversámos sobre os colos: porque querem colo os meninos? Porque se gosta de colo? Porque faz bem ao corpo e ao coração...Porque é bom, é miminho...Porque as mães não dão e nós depois pedimos...Porque assim, os outros já não nos batem...Porque gosto de ti... Concordámos todos que sim, o que diziam era verdade e que todas as pessoas precisam de colo e de amor. Mas que o amor e a amizade existem mesmo quando não se dá sempre colo, porque isso não é possível. E que tínhamos que saber dividir colos, fazer planos do dia, cumprir com o que combinámos, ouvir e tentar ser amorosos com os outros, disse a M. que também disse no outro dia, quando com ela tive uma longa conversa, assertiva e um pouco impaciente, gostei muito de falar contigo, M. gostei desta conversa... Vou pensar nisto muitas vezes. E sorriu e foi brincar.

E assim vamos nesta comunidade de gente que cresce a cada dia, entre colos e dedos no ar, para se dizerem. Fico maravilhada e incrédula com a rapidez da aprendizagem e a possibilidade de com palavras fazerem o exercicio da expressão dos seus sentimentos. Tenho a certeza que este é o caminho, aqui e agora, neste lugar, com estes meninos e meninas. Saibamos nós, apoiar estas manifestações e torná-las a coisa pedagógica inserida no currículo de trabalho. Para não espreitar, no final da semana, um certo incómodo, pelo que não foi cumprido na semana da alimentação saudável...

3 comentários:

  1. Mais uma vez, gostei muito, mas especialmente de: "Para além do plano do dia, ou melhor, em favor do plano do dia, que necessita de meninos e meninas que saibam dizer-se e pensar-se."
    Esta frase é uma síntese fantástica.

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  2. Mais uma vez, gostei muito, mas especialmente de: "Para além do plano do dia, ou melhor, em favor do plano do dia, que necessita de meninos e meninas que saibam dizer-se e pensar-se."
    Esta frase é uma síntese fantástica.

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