segunda-feira, 24 de agosto de 2015

Sábado inquieto

Corrias desde a madrugada, nos Pirenéus e eu acordei cedo, neste sábado, para ir acompanhando a tua progressão, desta vez numa ultra mais dura e mais distante. Pelo link, com a ajuda do pai, víamos os diferentes postos de controle e as tuas passagens pelos mesmos. Fui fazer os tratamentos nas termas e metemo-nos por serras e vales, a explorar a região, quem sabe numa forma de ser solidário e estar mais próximo de ti. Sabíamos o quanto tinhas investido na preparação desta prova e o quanto querias terminá-la. Acompanhámos os detalhes dos treinos, a organização do material exigido, o esforço e o sacríficio, o sonho e a persistência.

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Foi um sábado longo, onde as horas não tinham fim e onde o corpo me doeu de tanto te sentir correr e te acompanhar a par e passo. Conforme o dia ia avançando e tu também, em direção à meta, o meu coração andava aos tombos, entre a alegria e a inquietação, entre o orgulho e o medo, uma espécie de alerta assustado que as mães experimentam quando os filhos estão em (supostos) limites, físicos e psicológicos. Assim tinha medo que estivesses.

Durante este sábado longo, no meio da serra e de árvores muito altas, lembrei-me de ti em pequeno e da tua cara linda e sorridente, meia envergonhada, mas plena de encanto e macieza. Lembrei-me das tuas mãos que nunca se separavam das minhas, do teu corpo junto ao meu e dos bracinhos à volta do meu pescoço, quando adormecias ao sábado à tarde. Lembrei-me que púnhamos uma musica da Gal Costa e que tu te deixavas embalar, com o nosso calor e uns passos de dança. Lembrei-me do teu jeito para os desportos, da paixão pelo andebol, dos anos em que te fizeste um jogador de mão cheia. E da nossa alegria a gritar "...Boa João, força, vai!..." E do pai, quase a bater nos adversários, logo ele que é um homem tão discreto. E lembrei-me da tua força e da tua presença, quando comigo viveste a ida do pai durante seis meses para o Brasil. Rias, para nos alegrar, mas eu sabia que umas lágrimas escorriam no teu coração de menino bem pequeno. O teu sentido de estares comigo era maior que a tua tristeza. Assim foste sempre.

Lembrei-me de muitas outras coisas que não digo aqui, porque são nossas e são íntimas. Lembrei-me sobretudo da tua coragem e da tua fibra para venceres as montanhas da tua vida. Nós sabemos.

Por isso, apesar de inquieto, o meu coração de mãe sabia que ías terminar a prova, apesar das dificuldades e agruras dos caminhos dos Pirenéus. E assim foi. Corrreste 14 horas e mais uns minutos e arrecadaste um honroso 83 lugar, entre cerca de mil concorrentes...o 2º português a terminar a prova. Como se diz agora, não é coisa para meninos, é coisa para homens, ainda que no caso, seja coisa para o meu menino.

Parabéns, filho. Quem assim corre, com persistência e sem desistir, é capaz de muitas outras corridas. Nas montanhas e na vida. Não te esqueças...agora, podes correr menos horas? é que é um sufoco acompanhar-te à distância e imaginar o teu corpo a correr durante tanto tempo...



4 comentários:

  1. Brindemos às grandes corridas, muitas delas, dentro de nós!
    Lugar, talvez, para o poema de António Machado:

    Caminhante, as tuas pegadas
    São o caminho e nada mais;
    Caminhante não há caminho,
    O caminho faz-se ao andar.

    Ao andar faz-se o caminho
    E ao olhar-se para atrás,
    Vê-se a senda que jamais,
    Se há-de voltar a pisar.

    Caminhante não há caminho,
    Somente sulcos no mar.

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  2. Lindo poema que se ajusta mesmo à vida, não é, Céu? brindemos sim, às grandes corridas, nas estradas e ruas e nas outras, muitas delas detro de nós. Bjs e abraços

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  3. Tão bonito Nela...

    Adivinho o dificil que foi "imaginar o teu corpo a correr tanto tempo...". Delicioso o "agora, podes correr menos horas?

    Mas o caminho faz-se caminhando, e cada um tem o seu ritmo e a sua passada!

    Beijinho

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  4. Pois é, é dificil, porque é muito tempo e os filhos saem de dentro de nós, o que também torna tudo mais dificil. E muito mais intenso e muito mais tudo...mas tens razão, cada um tem o su ritmo e as suas corridas...saibamos entender e apoiar isso. Bjs grandes

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