sexta-feira, 15 de maio de 2015

Famílias

15 de maio, dia da família, dizem. Pois que seja e pensemos nelas. Lá pela sala, não por ser este dia, mas porque assim estava combinado, tivemos a mãe de um menino connosco, a ajudar-nos no "projeto dos bebés". Não sei bem se assim o posso chamar, mas não vou agora deter-me em questões de rigor científico e pedagógico sobre trabalho de projeto. Para além da correção das fases e do seu desenvolvimento, este é um projeto, sim, que nos envolve por todos os lados (a uns mais do que a outros, claro) e envolve muitas famílias, sim. Entre janeiro e fevereiro nasceram dois bebés e agora mais seis mães estão grávidas. Algumas barrigas, grandes e lindas, entram-nos pela sala todos os dias, outras ainda pequenas, também avançam destemidas. 

Com tanta barriga, os bebés entranharam-se nos nossos dias, e andamos à procura de os conhecer um pouco melhor, que é o mesmo que dizer à procura de nos conhecermos, a nós e aos outros. Um bom motivo neste contexto. Já temos um espaço reservado na sala, uma mesa com livros sobre bebés, uma caixa forrada pelos meninos, que guarda objetos de bebés (chupetas, fraldas, biberons, roupa pequenina, brinquedos...), pinturas e desenhos de mulheres grávidas e muitas conversas com mães que vêm e passam um bocado connosco.

Hoje a mãe do M. respondeu a perguntas dos meninos e meninas e depois fez o desenho da família para um livro que estamos a fazer e se chama "nós somos assim...". A mãe do M. mostrou a barriga e a bebé (é uma menina) deu pontapés e todos se riram, entre surpreendidos, encantados e alguns um pouco nervosos, pareceu-me. Depois foi ajudar a "vestir" a mãe da L., que na semana anterior se prontificou a ser o nosso modelo e deitada no chão, deixou que os meninos a desenhassem de perfil.

Desenhou-se um bebé, colámos na barriga, em cima de algodão e com o cordão umbilical. E agora tinha que ser vestida. Já está, com a ajuda da mãe do M. e de um grupo de meninos. tem as unhas pintadas, flores numa mão, um vestido de pano cru que pintámos com canetas de tecido, uma saia preta, curtinha, umas meias às riscas e uns ténis também às flores. Ah e um colar e os lábios pintados. Está muito gira, dizem. Também acho.

 A mãe da I. foi lá com a filhota, de 3 meses e também nos contou como tinha sido o nascimento. E ainda faltam ir as outras mães. Os bebés entraram-nos pelos dias e assim andamos. E falamos do que precisam para nascerem e crescerem bem. Entre nós e com as mães.

É claro que é uma alegria e um rebuliço, e uma tempo meio caótico, na nossa sala e creio, na vida destas famílias. Um rebuliço meio infantil,  às vezes surpreendente, às vezes meio difícil, às vezes meio por acaso, pressinto. Mas vejo-lhe os olhos e sinto-as determinadas e doces, a carregar o peso de sonhos e afetos, profundamente amarrados ao seu corpo e à sua sorte de mulheres muito jovens.
 Entram na sala e ficam meias estarrecidas, sorriem para o estendal de desenhos e pinturas, livros e objetos, que colocam os bebés, os seus, no meio da vida da sala, no meio da vida dos outros filhos, os que ali andam e esperam os manos e manas. E descansam as mãos na barriga, em silêncio, a rir ou a brincar. Há de tudo, porque as mães e as familias são todas diferentes e todas iguais.

É claro que muitas outras coisas havia para dizer, neste dia da família e de tantos bebés por nascerem. Mas hoje não vou escrever sobre isso. Não me apetece discorrer sobre necessidades, direitos, vidas justas e outras tantas matérias desta realidade tão complexa e tão simples que nos dá a todos o primeiro colo e o primeiro leite. Pão e amor. Eu sei que nem sempre é assim, mas também sei que as famílias que vemos na televisão, essas lindas e e perfeitas e serenas e tudo... não existem. Ou se existem, também têm os seus achaques, como diria a minha avó.
E lembro-me do poema de Adriana Calcanhoto a Ciranda da Bailarina. Porque todo o mundo tem, só a bailarina é que não tem. Aqui fica.

Procurando bem
Todo mundo tem pereba
Marca de bexiga ou vacina
(...)
Só a bailarina que não tem
(...)
Todo mundo tem
Um irmão meio zarolho
Só a bailarina que não tem
Nem unha encardida
Nem dente com comida
Nem casca de ferida ela não tem
(...)
Medo de subir, gente
Medo de cair, gente
Medo de vertigem quem não tem?
Confessando bem
Todo mundo faz pecado
Logo assim que a missa termina
Todo mundo tem
Um primeiro namorado
Só a bailarina que não tem
Sujo atrás da orelha
Bigode de groselha
Calcinha um pouco velha ela não tem
(...)
Sala sem mobília
Goteira na vasilha
Problema na família quem não tem?
Procurando bem
Todo mundo tem


2 comentários:

  1. Gosto muito das suas crónicas (?) e esta achei especialmente bela!
    Vou partilhar.
    Obrigado

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  2. Obrigada também pelo seu comentário e por me ler...sempre é bom sabermos que nos "escutam", quando às vezes nos sentimos tão sós nesta "luta" profissional diária...

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