sábado, 25 de abril de 2015

Viver e acreditar na democracia

Viver em democracia não é fácil. Sobretudo se a quisermos coisa presente e viva nos nossos espaços de vida. Sobretudo se a escolhermos como compromisso para a tradução dos seus princípios fundamentais, respeito, liberdade, cooperação, justiça, igualdade, participação. Sobretudo se a colocarmos no coração da pedagogia, uma espécie de obsessão, como referiu Sérgio Niza, na sua desafiante comunicação, na quinta-feira, quando da atribuição do seu Doutoramento Honoris Causa. Ouvi tudo e tudo guardei, reatando a convicção de permanecer acompanhada no caminho.  

https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhGarlJJvHUUN7rijoZl6k9NkiIbe2SOXuhwMHiWC0bR3fQFoMtSYI7WBeeuRA5ezl06jxSRdwfplDw7q3JL15JBa8dBLh4LQAOPLdJ16G1uhvhUvyAl-de3dPtSt7bu72_94LAQlpuXw-Y/s1600/cravos_h.gifViver em democracia nos espaços das escolas significa lutar contra as formas mais seculares da organização escolar. Aquelas que já não tendo as carteiras, a secretária, a régua, os mapas de rios e caminhos-de-ferro, continuam inscritas na nossa memória e cheiros de infância: obediência, autoridade, ordem, método, ensino magistral. Não o fazemos já, a escola mudou, dizem, mas persistem em nós fazeres pedagógicos envoltos em teias de aranha do resto que resta da nossa socialização e herança pessoal e social. Politica.

Viver em democracia, acarreta riscos, imprevistos e combates. Um constante alerta, uma vigilância de lince, uma coragem de leão. Dissabores e exposição, defesa e intransigência pelos valores que permitem uma escola de diálogo e negociação, inclusão de todos, aprendizagem como meio para a produção da cultura e intervenção no mundo. Um passaporte para viagens de si, homens e mulheres livres, comprometidos com a construção de uma terra mais justa e mais igual. A fraternidade como um valor a não perder.  

Viver e acreditar na democracia implica não dar tréguas nem intervalos às nossas representações das crianças e famílias como subalternos. Exige saber viver entre margens fluídas, que não comprimam o desenvolvimento e a participação de cada um para o bem comum. Exige acreditar que todos, mas todos, têm que estar na dianteira e que não há quem fique para trás ou tenha orelhas de burro.

Viver em democracia na escola, significa saber ouvir criticas, lidar com a frustração, aceitar os olhares sobre a nossa incompetência. De quem não dá a primazia à regulação externa como principal estratégia de controlo dos grupos de meninos e meninas. De quem não faz os dias em cima de rotinas e regras exógenas à vida pedagógica, que facilitam o rodar da engrenagem e mantém a ordem e a regularidade, manda quem pode, obedece quem deve.

Bem sei que tenho falado muito disto. Continuo pois obsessiva com este caminho, quase a querer calar-me de tanto me repetir. Mas o 25 de abril e a comunicação do Sérgio Niza deram-me alento. Precisamos dele como do pão para a boca.
Obrigada a quem luta assim pela democracia, sempre, sem fazer cedências e com determinação. Quem inaugura todos os dias, o dia inteiro, como no poema de Sophia

Esta é a madrugada que eu esperava
O dia inicial inteiro e limpo
Onde emergimos da noite e do silêncio
E livres habitamos a substância do tempo

Sophia de Mello Breyner  

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