O meu avô chamava-a vezes sem conta, principalmente à noitinha, pela hora do terço à lareira, quando a desfiar rosários, se lembrava de perguntar se a casa estava trancada.
- Carmina, o pátio está fechado? E a minha avó respondia que sim, numa paciência morna e meia desprendida, de quem aprendeu a entoar as palavras de acordo com o momento e a situação.
- Carmina, o que levas aí? - Umas espigas, homem, respondia impaciente e rápida, mostrando parte do avental, para esconder as batatas e o feijão que dava à vizinha, em tempos de colheitas magras…
- Carmina, onde estás? - Aqui, homem de Deus…
A minha avó chamava-se Carmen, mas sempre me fascinou este nome assim dito pelo meu avô, num misto de intimidade e adaptação livre, fazendo justiça à sua maneira de ser, mulher inteira, doce e agreste, atenta e assertiva.
Convocá-la assim para primeiro texto é abrir com chave de ouro a porta das palavras e reafirmar em jeito de homenagem, a importância da sua memória na minha vida…o aido verde e as ameixas na árvore, as histórias de lobisomens em noites de luar, a escolha dos feijões secos no alpendre, as dores de barriga curadas com azeite morno, as explicações sérias de se ficar mulher em terra de homens. Convocá-la é convocar-me, através do seu nome, Carmina, que o meu avô repetia vezes sem conta e que me soou sempre como uma melodia quente a marcar a cadência da vida e do amor.
Haverá uma idade para cada momento de lembrança? Ou os movimentos da memória querem-se eternos? Continua, Nela: lembrar é fazer reviver quem já passou pela vida.
ResponderEliminarGostei de escutar doces memórias alheias e reviver tempos que conheci... Um excelente começo!
ResponderEliminarRecordar momentos de vida vivida, lembranças de entes queridos, é sempre tão bom! Minha mãe está sempre presente na minha vida,relembro a palavra, o gesto, o cheiro.As saudades são imensas,por vezes fazem doer a um tempo e noutro aconchega-me o coração! Bem haja por este momento!
ResponderEliminarCéu
Há momentos para tudo, este é o de recordar quem nos deu á luz do mundo e nos ensinou o caminho que continuamos a pisar, recordar « andar aos dias » é avivar a memória dum passado vivido e recordado com saudade, A Tia Carma, A Ti Cecilia, A Maria do Porto e tantas outras, que Deus as tenho em eterno descanso.
ResponderEliminarVentura Lavoura
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderEliminarObrigada pelas palavras...senti-me mais perto dos meus, visto que conheceu a minha avó e a minha tia Cecilia, a que tinha uma loja que descrevo no texto "vidas de mulheres".É bom estarmos perto das nossas origens. E não é que o mundo é mesmo pequeno?!
ResponderEliminarObrigada