terça-feira, 7 de outubro de 2025

Pelos olhos de uma avó...


Outubro chegou. Já não tenho a alegria de receber um grupo de crianças na sala e com elas partir à descoberta da vida e do mundo. Como gostava desses outubros, embrulhados em folhas e bocados de sol, cheios de surpresas e revelações! Apostávamos forte em nos conhecer, num clima de liberdade e partilha, tentando que todos(as) fizessem o seu lugar e pertença. Tínhamos colo, beijos, mãos a limpar lágrimas, que às vezes os corações ficavam aflitos, querendo aconchego e proteção. E depois, com o decorrer do mês, íamos aprendendo a ser e a fazer em comunidade. Tenho saudades, fico com nostalgia.

Desenho do JI Trafaria 

Agora, tenho a minha neta, a Júlia, que não substituindo os meninos, cria novas tonalidades neste outubro. Ainda não tem dois anos, mas ensina-me, todos os dias, a importância da comunicação, do amor e da alegria. Nos finais de tarde, depois da creche, temos rituais que nos animam e desafiam: procurar caracóis no jardim, alinhar paus e tocar sons, espreitar a cadela "Gaia" dos vizinhos, ver os quadros da sala, brincar às vaidosas, cantar. Gosta muito de me ouvir cantar e já sugere o reportório, entre gestos e palavras que domina. Dança muito, com ritmo e alegria. Também vemos livros e à proposta "vamos ler", escolhe o livro, senta-se e vai apontando as imagens, entre vocábulos, palavras e sons.

Fico espantada com as suas competências e tudo o que já aprendeu. Quando lhe digo que, por exemplo, "temos de ter uma conversa séria e de compromisso" - para negociar qualquer coisa ou situação - fica muito atenta e põe as mãozinhas debaixo do queixo numa escuta maravilhosa. Tento fazer o mesmo com ela, quando comunica e quer conversar.

Fico a pensar nas múltiplas possibilidades do trabalho em creche, com estas idades, e de como as crianças são movidas por curiosidade, energia, interesse e necessidade de se relacionarem e comunicarem. De dizerem o mundo e explorá-lo, de participar nos processos culturais e sociais que fazem parte da sua vida. E como os adultos são determinantes na construção e manutenção de um ambiente educativo que respeite e desafie o desenvolvimento e a aprendizagem de cada um e de todos, em equipa, com as famílias e na comunidade. E como as crianças são capazes de compreender e incorporar, pelo corpo, pela escuta, pelos afetos e pelo cuidado amoroso, tudo isso.

Por isso, a creche tem de ser valorizada, investida e levada muito a sério na sua missão de educar, desafiar e cuidar de todas as crianças que nela vivem. Entendendo as crianças como pessoas, com agência, cidadãos de corpo inteiro, plenos de direitos, interesses e necessidades. Sem os minorar, infantilizar ou esconder as suas competências, saberes e histórias sociofamiliares.

Que haja condições - espaços, tempos, profissionais, valorização - para que se cumpra o direito a uma educação de qualidade desde o nascimento.

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