segunda-feira, 16 de maio de 2016

Famílias

Dia da família, dizem.
Penso na minha, a mais antiga, aquela que me viu nascer e cuidou de mim. Lembro rostos e risos, cheiros e palavras, aidos com árvores de fruta, ameixas e uvas, água fresca a correr da nora, os pés pequenos a calcar a terra. E o amanhecer, e as espigas na eira e as mulheres na dianteira, com chapéus de palha e o rosto trigueiro. Lembro a loja e a venda do pão, o cheiro do café e a porta sempre aberta, o terço à noite, a igreja e as preces. E lembro mais e não posso lembrar. 

Penso na minha família agora. A nuclear, dizem. Um companheiro de 30 anos, amor e lealdade provada, os filhos meninos e agora grandes, orientar e decidir, conversar e contar histórias para adormecer, aplaudir e condescender, implicar e enaltecer. Penso nos dias de trabalho e nas noites de sossego, nas alegrias e na dor, nos beijos com doce e nos abraços sem fim, nas zangas fortes e deceções, nas bolachas escondidas e nas festas de aniversário, nas gomas em agosto, nos mergulhos no mar, na preguiça, nos pecados bons e nos devaneios e sonhos perdidos. E naqueles alcançados.

http://www.viveresaber.com.br/vs/images/stories/logo_familia.jpgPenso nas outras famílias. Umas que conheço e são ainda famílias, porque amigas, e as outras, aquelas que me cercam e são o colo e o sustento dos meninos e meninas lá da escola. Penso nelas e nas suas circunstâncias, famílias de carne e osso, reais, autênticas, contrárias às imagens de publicidade das manhas felizes ao redor de uma mesa farta.

E surpreendo-me pela audácia, a coragem, a magia de fazerem do pouco, muito, repartindo e dividindo por todos, o que multiplicam sem saberem como. E aprecio os risos e os silêncios, quando, em alguns dias, observam os desenhos e as pinturas e a marcação das presenças. E quando pela manha trazem os filhos pela mão e vão para casa, porque não podem ir para o trabalho. E quando ficam para ler uma história e sorriem e soletram em conjunto as palavras difíceis. E quando dizem que não sabem fazer, porque desconhecem.

Penso nas famílias que me cercam e centro-me nas suas lutas e vitórias. Na sua participação na sala, no que podem dar e nós podemos acolher, ainda que confundam dias e momentos e troquem as voltas ao currículo e o que foi planeado tenha que ser mudado. Porque isso é coisa menor face às redes de afeto que vamos tecendo, pelo meio da vida, das suas circunstâncias e das crianças que vivem entre nós, a pedir-nos laços e solidariedade. Esqueço-me das desvantagens, porque retenho como fundamental a importância das famílias como espaços emocionais onde estão as raízes da identidade (Sousa, 1998).

E se assim é, têm que ser ouvidas, respeitadas e entendidas nas suas múltiplas formas de ser e viver, porque são o primeiro colo dos nossos meninos e meninas. Não nos esqueçamos delas, destas, neste dia da família.  
   

1 comentário:

  1. tão bom ler...obrigada pelas palavras sábias, sensíveis e que nos fazem pensar, relembrar e sonhar.

    ResponderEliminar