Os livros. Não havia muitos lá em casa, quando era menina. Muito menos para a infância, porque a infância nesse tempo não estava especializada, era-se menino ou menina no meio de grandes, que regendo a vida com arte e engenho, iam tratando dos pequenos e do futuro, como sabiam e tinham experimentado. Portanto não havia livros, a não ser aos sete anos, os da escola, com as primeiras letras e as lições de moral, para aprender a ler e a saber comportar-se, sem sonhos e ousadias. Gostei deles, apesar de tudo, porque me senti autónoma e poderosa, lembro-me disso.

No final tranquilizava-me, ficávamos em silêncio a olhar a lareira e eu cansada de correr o mundo em imagens de tecer fantasmas. Às vezes as histórias eram reais, a minha avó nova, o namoro com o meu avô, a zanga por causa do café e dos tamancos, o nascimento da tia Cecília, risos e dores, lutas e sucessos, outros enredos, o mesmo entusiasmo. Eu a imaginar e a guardar dentro de mim a revelação das imagens das suas histórias. Persistem até hoje.
Portanto não havia livros, mas havia a minha avó. Acho que a ela lhe devo o gosto danado por ler, que na adolescência me fez procurar nas estantes do meu irmão os livros proibidos, antes de 74 e consumi-los num abrir e fechar de olhos. Agradeço-lhe este comportamento aditivo, de braço dado com o prazer de escrever e amar as palavras, amar os homens e as mulheres, querer ser escritora e correr mundo e que não tendo sido possível, me alimentou a vida e os sonhos. Ainda hoje.
Neste dia internacional do livro
infantil, o desejo de que os meninos e as meninas sem livros em casa, possam ter uma avó para lhes contar histórias. E que as escolas e os educadores se saibam e sintam arautos da literatura para as crianças, como concretização de um direito. Porque não só de pão vive o homem e os meninos também não. Conhecer e gostar de livros é uma forma perfeita de conhecer e gostar de si e do mundo. E ser poderoso.
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