Há dias em que tudo se compõe dentro de nós, numa espécie de esteira quase perfeita, dando sentido e chão às ideias, palavras e sentimentos que andámos a nutrir anos sem conta. Escancaram-se as portas e ainda que nem tudo seja novo, o que surge aos nossos olhos, é claro, bonito e justo. Tem sentido de ser, tem ética e estética.
Hoje foi um desses dias. Sentada numa sala para ouvir e pensar a pedagogia, fiquei de frente com a beleza, a alegria, o espanto. Vi árvores da liberdade esculpidas pelas mãos de crianças, registos de luz e sombra, textos e ideias, arte(s) e projetos, que se alongam para lá das paredes, construindo lugar na rua, convidando os de fora a ficarem por dentro. A olhar e a compreender a riqueza do pensamento e da ação de crianças e adultos. Sobretudo a ideia que a inclusão é uma condição possivel e necessária para a nossa vida em comum. Que a democracia e solidariedade tem rosto(s), nome(s), estratégias para a sua construção.
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Pola 5 anos |
Mas vi e ouvi mais. Pequenas (grandes) histórias de profissionais que agarrando o essencial, procuram inscrever o que fazem num ambiente de escuta, respeito, atenção. Histórias quase banais, pequenos apontamentos, intensos e desafiadores, exigindo a humildade de saber que, face a algumas vidas, é preciso agir com cautela, sensibilidade e sobretudo confiança. As crianças, dão-nos, tantas vezes, a solução certa e apaziguadora para os nossos receios. Ouçamo-las com seriedade.
Foi tudo assim tão novo? Não, foi tudo assim tão bonito e cuidado, numa interação amorosa de pensar minuciosamente a ação, levá-la a bom porto, em cooperação, resgatando a reconstrução da cultura como legado para o currículo e a vida na escola.
E fiquei a pensar que é urgente que possamos celebrar as nossas práticas, divulgar o que fazemos a outros, negar o estatuto de minoridade, conceder às crianças o lugar a que têm direito, concedendo-nos também a nós um lugar ao sol, ou como hoje se disse, procurar mais a luz que a sombra.
E fiquei a pensar em todos os profissionais que trabalham com crianças, e como isso é dificil, desafiador, inquieto, mas também deslumbrante e inovador. E lembrei-me das creches, dos meninos e meninas tão pequenos, do cansaço, dos cuidados, do amor, da invisibilidade da sua ação, da perceção da sua função como apenas cuidadores, sem saber que cuidar exige, entre outras coisas, atenção, envolvimento, responsividade, competência, preocupação, conhecimento, ética. Tanto, não é? Quem é capaz?
Lembrei-me de tudo nesta manhã de mais um sábado pedagógico. Obrigada às colegas pela sabedoria, pelo encanto, pela atenção e pelo cuidado com que fazem acontecer os dias nas suas salas, de braço dado com as crianças, as famílias e a comunidade. Respeitando-as, escutando-as e incluindo-as.
Quando é assim tudo se compõe dentro de nós.