Que noite longa. Uma aragem fresca, a luz doce da lua, folhas sopradas pelo vento, um pássaro assustado e uma estrela cadente. Uma noite longa.
Onde está o dia, louco de alegria? e o colo para nos segurar? onde está a doçura feita abraço, o aconchego do riso, as palavras quentes e soletradas? onde está a boneca de trapos, o campo de trigo e o cantar das cigarras, o calor húmido contra a pele? onde está a água fria da fonte, o musgo verde para o presépio, os poemas escritos em dor corrente, o portão aberto junto ao caminho?
Onde estão os sonhos e os seus arautos, os anjos de fé e a romaria, os vestidos e laços de domingo, o arroz doce com canela, a mesa posta para quem chegar? onde estão as flores do jardim, os gatos pardos à janela, a casa da mestra dos meninos, o cheiro da terra molhada, ao fim do dia?
Onde está a nossa sede e a nossa dor, as pérolas do cansaço da luta dos dias, a raiva amena para se ser gente, as sombras esguias do nosso ser? onde está o futuro radioso de luz e os diários escritos com rebeldia, as montanhas a perder de vista, as escadas da casa para ver o dia? onde está a liberdade e a nostalgia, as ruas estreitas e a respiração contida, os segredos guardados no pó da gaveta, as fotos amarelas e o pano bordado?
Onde estamos nós, afogados de tudo, ausentes de outros e de amor presente, cativos do mundo e das suas loucuras, perenes de fome e de certezas? Onde estamos aqui de frente, com terra à volta e ideias cansadas, sem vislumbrar o fim do caminho, enseada grande depois das giestas.
Onde está a lonjura, os cheiros frescos e os lençóis lavados, a cama macia e a companhia? Onde está quem somos e o que prometemos, quando incautos, aqui chegámos, limpos de desanimo e plenos de alegria.
Onde está?
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