terça-feira, 31 de maio de 2016

Em jeito de telegrama

Em pequenos, fazíamos o presépio e ainda hoje me lembro do cheiro do musgo e do espelho a fazer de lago, com os patinhos em cima e das suas mãos a compor os montes e a alisar os vales. Quando crescemos, escreveu-me ideias fortes em papéis pequenos, foi um amparo bom nos dias menos claros e um desafio certo para abraçar sonhos.

http://www.poesias.omelhordaweb.com.br/img_poesias/78550_gr.jpg
Também lhe dei palavras justas, penso, quando os anos se apoderaram de nós, e mais velhos, começámos a procurar as raízes de que fomos feitos. Ficamos às vezes no sofá a tecer esta irmandade, que é amor, alegria, intimidade e compromisso.

Mesmo que não estejamos de acordo, acordamos que somos da mesma barriga, e isso é um caldo que permeia a nossa pele e o nosso coração, ligando-nos como um cordão. O umbilical.

Nada é tão poderoso e tão incondicional. Para sempre.  
Bom dia dos irmãos, mano. 

sábado, 21 de maio de 2016

maio

Tenho uma leve nostalgia dentro de mim. É coisa pouca, mas insinua-se, de mansinho, num vai e vem permanente, tolda-me a razão e alerta-me os sentidos, brincando comigo, neste fim de tarde de apreciar saudades. E, no entanto, é maio, o mês das flores, papoilas vermelhas a alegrar os campos, raios de sol a descansar no mar, gatos preguiçosos a espreitar nas janelas. E crianças, muitas crianças a brincarem na berma da estrada, esperam os campos de trigo para correrem desenfreadas em busca do verão que está a chegar. 

E, no entanto, é maio, o mês em que nasci de ti, tu deitada na cama do quarto que durante anos me cheirou à nossa vida, na casa que a avó tinha como sua, entre o cheiro do café e das espigas do mês de agosto. Eras jovem e eu uma menina pequena, de bibe e sandálias brancas e lembro-me dos teus olhos e das tuas mãos, a ajeitar os laços do bibe e o cabelo, para ficar direitinha e composta, como uma menina. Agora já não sou.

Agora já cresci, já estou muito grande e em marcha certa para a idade que tinhas quando partiste. Procuro-te, quando me penso e desfio o novelo dos meus anos. Apareces-me sem que te chame e aninho-me na tua memória e na falta que fazes. Já não tenho bibe nem laços para ajeitar, mas as gavetas estão com meias desarrumadas, mãe, poderias vir dobrá-las e ficar em conversa amena, sentada na beira da cama, a espreitar o cair da noite, para fechar as janelas e descansar. 

E, no entanto, é maio, continuo a gostar tanto deste mês, em que me deste para o mundo e para a vida, um mês doce e forte, pintado de vermelho, salpicado de flores e liberdade, um mês a desaguar no calor do verão como um rio fresco, que se junta ao mar. Um mês de encantos e poesia, revolução e alegria.
Um mês certo para nascer, mãe, apesar da nostalgia que às vezes me invade o corpo e os pensamentos, como hoje. Mas isso não tira a beleza nem o encanto a maio.
Continuo a gostar tanto deste mês. Obrigada mãe.

Também eu

Também eu, também eu,
joguei às escondidas, fiz baloiços,
tive bolas, berlindes, papagaios,
automóveis de corda, cavalinhos…
Depois cresci,
tornei-me do tamanho que hoje tenho;
os brinquedos perdi-os, os meus bibes
deixaram de servir-me.
Mas nem tudo se foi;
ficou-me, dos tempos de menino,
esta alegria ingénua
perante as coisas novas
e esta vontade de brincar.

Sebastião da Gama 

segunda-feira, 16 de maio de 2016

Famílias

Dia da família, dizem.
Penso na minha, a mais antiga, aquela que me viu nascer e cuidou de mim. Lembro rostos e risos, cheiros e palavras, aidos com árvores de fruta, ameixas e uvas, água fresca a correr da nora, os pés pequenos a calcar a terra. E o amanhecer, e as espigas na eira e as mulheres na dianteira, com chapéus de palha e o rosto trigueiro. Lembro a loja e a venda do pão, o cheiro do café e a porta sempre aberta, o terço à noite, a igreja e as preces. E lembro mais e não posso lembrar. 

Penso na minha família agora. A nuclear, dizem. Um companheiro de 30 anos, amor e lealdade provada, os filhos meninos e agora grandes, orientar e decidir, conversar e contar histórias para adormecer, aplaudir e condescender, implicar e enaltecer. Penso nos dias de trabalho e nas noites de sossego, nas alegrias e na dor, nos beijos com doce e nos abraços sem fim, nas zangas fortes e deceções, nas bolachas escondidas e nas festas de aniversário, nas gomas em agosto, nos mergulhos no mar, na preguiça, nos pecados bons e nos devaneios e sonhos perdidos. E naqueles alcançados.

http://www.viveresaber.com.br/vs/images/stories/logo_familia.jpgPenso nas outras famílias. Umas que conheço e são ainda famílias, porque amigas, e as outras, aquelas que me cercam e são o colo e o sustento dos meninos e meninas lá da escola. Penso nelas e nas suas circunstâncias, famílias de carne e osso, reais, autênticas, contrárias às imagens de publicidade das manhas felizes ao redor de uma mesa farta.

E surpreendo-me pela audácia, a coragem, a magia de fazerem do pouco, muito, repartindo e dividindo por todos, o que multiplicam sem saberem como. E aprecio os risos e os silêncios, quando, em alguns dias, observam os desenhos e as pinturas e a marcação das presenças. E quando pela manha trazem os filhos pela mão e vão para casa, porque não podem ir para o trabalho. E quando ficam para ler uma história e sorriem e soletram em conjunto as palavras difíceis. E quando dizem que não sabem fazer, porque desconhecem.

Penso nas famílias que me cercam e centro-me nas suas lutas e vitórias. Na sua participação na sala, no que podem dar e nós podemos acolher, ainda que confundam dias e momentos e troquem as voltas ao currículo e o que foi planeado tenha que ser mudado. Porque isso é coisa menor face às redes de afeto que vamos tecendo, pelo meio da vida, das suas circunstâncias e das crianças que vivem entre nós, a pedir-nos laços e solidariedade. Esqueço-me das desvantagens, porque retenho como fundamental a importância das famílias como espaços emocionais onde estão as raízes da identidade (Sousa, 1998).

E se assim é, têm que ser ouvidas, respeitadas e entendidas nas suas múltiplas formas de ser e viver, porque são o primeiro colo dos nossos meninos e meninas. Não nos esqueçamos delas, destas, neste dia da família.  
   

domingo, 1 de maio de 2016

Lembrar as mães

Penso nas mães. Nessas mulheres com barrigas que deram gente, que se animaram e cansaram de as carregar, apesar de todo o amor e todos os sonhos. Penso nas mães e nos cheiros, nas flores e nas promessas, hei-de gostar de ti até ao fim do mundo garantindo que as mães são para sempre e por isso os filhos dormem descansados todos os dias da sua vida.

Penso nas mães e na largueza da praia, a perder de vista, um continente imenso de compromisso e dedicação, dar banho e pôr o creme, tirar a febre e aconchegar a roupa, espreitar os namoros e os  amigos, perguntar pelas notas e levar à natação, olhar de longe e de perto e de lado. Olhar em todos os sentidos e direções. Olhar para comprovar o tempo a crescer e o amor a aumentar e às vezes, ainda a ser pouco.   

http://blog-imgs-31.fc2.com/n/e/k/nekokuroneko/20090915220220be1.jpgPenso nas mães e lembro as suas condições. E vem-me à ideia a quadra de Aleixo, a rica tem nome fino, a pobre tem nome grosso, a rica teve um menino, a pobre pariu um moço. Penso nas mães e nas suas diferentes histórias, mulheres que se levantam cedo e levam os filhos ao colo, transportes e infantário, cedo cedinho, que a vida começa de madrugada e não há tempo a perder.

Penso nas mães que não tiveram infância, amedrontadas por uma barriga a crescer num corpo de menina, não seguram o peso nem o medo, acolhem os filhos com  risos e sonhos trémulos e saudades de um colo para se aninharem ainda.

Penso nas mães neste dia a elas dedicado, um domingo de sol soalheiro e claro, o primeiro do mês de maio. Penso em todas as mães que receberam flores e beijos e nas outras que nem por isso. As que perderam filhos pelo caminho, as que não foram amadas para poderem amar, as que tiveram frio na infância e gelaram o coração para sempre, as que procuram pão e paz e não encontram. 
E lembro-me da canção do Zeca Afonso

Quanto é doce quanto é bom
No mundo encontrar alguém
Que nos junte contra o peito
E a quem nós chamemos mãe
Vai-se a tristeza o desgosto
Põe-se a um ponto na tormenta
Quando a mãe nos dá um beijo
Quando a mãe nos acalenta
E embora seja ladrão
Aquele que tenha mãe
Lá tem no meio da luta
Ternos afagos de alguém

Feliz dia da mãe para todas as mães